Sabendo que o dia seguinte seria longo, nem armei a barraca em Buritama, apenas uma rede, para não perder muito tempo levantando equipamento.

A noite estava linda, uma lua cheia estonteante, um sapinho fazendo escândalo, tentando saciar suas necessidades carnais, uma leve brisa, temperatura agradável que prometia uma tranquila noite de sono, absolutamente necessárias para o dia seguinte que seria bem puxado.

Já cochilando percebo o aumento do vento que trazia junto uns respingos de chuva. Quando dou por mim o vento estava levando até as panelas que havia deixado num balcão de cimento.

Eram 1h30 da manhã e lá vou eu sair correndo atrás de panelas. Coloco a bicicleta na cobertura, cubro os alforges, guardo tudo que estava solto e tento voltar a dormir. Mas sempre com medo da chuva chegar que, com aquele vento, de nada adiantaria minha modesta cobertura. Fiquei tão preocupado que não dormi nada e logo o dia estava claro.

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Levantei com um mau humor incrível, com o vento soprando ainda forte lá fui eu fazer o meu café e correr atrás de sacos e outros utensílios que não achei de noite.

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Mas não dá pra pedalar de mau humor, ainda mais com esse nascer do sol. Então procurei me animar, preparei tudo caí na estrada.

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O trajeto seria bem puxado, cortaria caminho pelo Municipio de Lourdes e seguiria por uma estrada de terra até a SP-463. Ali eu teria um trecho de 10 kms de terra como aquecimento para o que estava por vir.

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Não demorou e as 13h00 cheguei em Santo Antônio do Aracanguá. Da rodovia até a cidade são 5 quilômetros com um corredor de Mangueiras de ambos os lados.

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Mangueiras carregadas e obviamente também peguei para comer mais tarde no caminho.

Chegando na cidade lembrei da minha última passagem em 2004 quando percorri pela segunda vez o Rio Tietê.

No mapa eu havia visto uma estrada de terra ligando Aracanguá a Sud Mennucci, optei por ela e me dei muito mal.

A estrada é bem mais bonita que a rodovia, passando por 3 grandes pontes, poucos carros, bem mais natureza. O problema é que boa parte é de areia bem fina que se acumula em alguns pontos fazendo a bike patinar e até mesmo atolar.

Em 2004 estava com uma bike híbrida com pneus de asfalto. O trajeto de Aracangua a Sud tem mais de 60 km. Entrei nela ao meio dia e saí as 9 da noite.

Para se ter uma idéia, foi a unica vez na vida que peguei uma carona com um trator. O desespero era tanto que peguei carona para sair da terra quando faltavam 4 kms apenas. Como estava com pneu de asfalto, constantemente a bike atolava e tinha que empurrar. Com certeza empurrei mais de 10% do trajeto.

Mas dessa vez estava com uma bike apropriada e resolvi encarar o desafio e logo na primeira descida percebi que não seria fácil, perdi o controle e quase levei um chão.

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O trajeto é cheio de subidas e descidas, poucos trechos planos, quando a areia apertava eu tinha que pedalar o dobro para me manter em pé. Entrei na estrada as 14h30, já muito desgastado por causa do sol.

Meu celular já estava quase sem bateria e acabou de vez antes da metade do trajeto. Com o celular eu conseguia me manter na estrada pelo GPS, mas depois que ele morreu, fiquei na torcida para não pegar nenhum caminho errado e sem noção de quanto faltava para acabar a terra.

Quando cheguei na segunda ponte, parei numa fazenda para pedir água e perguntei o que estava mais longe, Sud ou Aracanguá. Quando o mateiro disse Sud, desanimei. Pelo mapa em papel, havia pedalado 18 km em duas horas e faltavam uns 40 ainda. Com certeza chegaria de noite.

Mesmo assim parei para comer minha manga na beira do rio e tentar usar o tempo para minha mente energizar meu corpo, pois ele já estava quebrado.

Minha técnica melhorou e não caia mais, tinha que manter bem firme o guidão e mesmo na descida eu pedalava, com isso trazia a bike para rota toda vez que a frente saía. Nem preciso falar que isso gerou muito mais desgaste do que um pedal simples no asfalto.

Ia pedalando, vendo o Sol baixando e ainda tinha esperanças de chegar na cidade com luz do dia. Descia como um doente e ainda girava forte no plano e na subida para a bike embalar, não sei de onde vinham as forças e a coragem, pois um tombo ali só levantaria no dia seguinte.

De repente uma bifurcação que não existia no mapa de papel. Na duvida fui para a direita, peguei uma enorme descida e encontrei uma casinha onde pedi água. Lá descobri também que havia feito a escolha errada, tive que voltar uns 2 kms e ainda faltavam 18 kms até a cidade.

Subi tudo novamente e lá do alto vi o sol se por, depois uma grande descida até a terceira ponte. Dali ainda faltavam uns 12 kms.

Pra piorar, ainda apareceram vários cachorros chatos. Nem dava para correr por causa da areia e seguia pedalando devagar e xingando a décima geração dos cachorros e principalmente dos seus donos.

Meu corpo estava destruído, o sol, a noite mal dormida, a terra, tudo aquilo foi uma verdadeira prova de fogo e lembrava da minha desistência em 2004, mas jamais desistiria. A alegria surgiu quando consegui ver de longe umas luzes de postes e sabia que Sud estava logo a frente.

Cheguei na cidade as 20h50, estava estragado. Precisava de um bom descanso e nessa noite iria gastar um dinheiro que não tenho mas iria ficar num hotel.

Minha bike deu show, ainda vou escrever só sobre ela. Daqui a pouco parto para Itapura, foz do Tietê onde encerro meu pedal por São Paulo e só volto pra cá quando a viagem estiver no seu final.

Não sei exatamente quanto eu pedalei, amanhã faço os cálculos. Agora vou encerrando por aqui pois daqui a pouco volto pra estrada, ansioso por terminar logo essa primeira etapa da viagem. E que venha Itapura.