Essa nossa viagem serviu de “esquenta” para o Projeto Brasil em Ciclos. Apesar de estar com minha mulher a 3 anos e já termos feito algumas cicloviagens, essa seria a primeira realmente longa, com alto grau de dificuldade, com a necessidade até mesmo de acampar. Já tenho muita experiência de pedalar sozinho e sei que isso não é problema, mas pedalar com sua mulher é sempre diferente, apesar de conhecermos bem um ao outro, no fundo sempre existiu um certo receio de se teríamos problemas durante uma viagem tão longa e complexa, mas se nos propomos a ficar 4 anos pedalando, melhor testar logo para até mesmo corrigir os problemas se houver necessidade.
Também sempre tive problemas em acordar cedo pra pedalar, principalmente quando fico em pousadas, já acampando é mais tranquilo, a luz do sol te obriga começar a pedalar mais cedo. Pra minha tristeza minha mulher também tem dificuldades para levantar cedo, por isso foi difícil sair da cama mas conseguimos estar prontos pro pedal as 9h20.
Já conhecia o caminho de carro, sabia que teria alguns quilômetros de asfalto e depois seria terra até Iguape. Eu particularmente adoro pedalar na terra mesmo sendo mais difícil, tem menos carros, mais contato com a natureza, o problema é que a média de deslocamento cai pela metade na terra em relação ao asfalto. Já minha mulher, nos nossos pedais, sempre reclamou muito de pedalar em terra e tinha certeza que toda essa reclamação viria a tona assim que saíssemos do asfalto.
Foram cerca de 20 quilômetros de asfalto, não dá pra dizer que foram tranquilos, pois apesar da rodovia ter a velocidade de 60 km/h, todos nós sabemos que aqui no Brasil isso não passa de um detalhe irrelevante.
Quando entramos no trecho de terra começou a reclamação, como me arrependi de não tê-la levado mais vezes pra pedalar em trilhas. Mas eu melhor do que ninguém sei que tudo isso é questão de cabeça, também odiava terra, mas a partir do momento que parei de pensar de forma negativa, passei a curtir cada vez mais.
O visual era belíssimo, ao lado dava pra ver as montanhas do Pico Paraná com quase dois mil metros de altura, a mata é bem preservada, muitas aves, ficava atento pra ver se algum animal não cruzasse nosso caminho pra tentar fazer o registro e também muita DR. Tentava mostrar a minha mulher que aquilo, perto das reais dificuldades que teremos durante o Projeto Brasil em Ciclos eram irrelevantes.
Nossa intenção era a de acampar nesse dia, a estratégia seria procurar um rio e acampar próximo da margem, assim teríamos água pra beber e fazer nossa comida. Mas ainda no asfalto, paramos pra almoçar num rio onde havia uma galera de Antonina pescando e lá nos disseram que no distrito de Tagaçaba havia pousada. Quando disseram isso os olhinhos da minha mulher brilharam, já vi que não seria naquele dia que estrearíamos nossa barraca.
Como havia baixado os tracks de algum ciclista que havia feito o percurso, vi que teríamos uma bela montanha pra vencer, subindo aproximadamente 200 metros. Subida + pedras soltas, imaginem a combinação mortífera. Foi duro tentar animar minha mulher, mas com muito esforço passamos a serra e chegamos a um vilarejo. Nessa vila não havia pousada, já eram 17h00 e restavam 10 km para o vilarejo de Tagaçaba, onde haveria pousada.
Disseram que o trajeto era praticamente plano, se nos esforçássemos daria pra chegar no vilarejo de dia, joguei a responsa pra minha mulher que preferiu pedalar até a vila. Já estávamos bem cansados e ela ficava calada, eu tinha até medo de falar algo. A noite caiu e sabia que faltava pouco pra vila, ela precisava tirar energias de algum lugar, foi quando vi uma luz bem fraca adiante e disse – “Aquela luz já é a vila”.
Sempre digo que quando você disser que não tem mais forças, saiba que ainda tem uns 40%, isso valeu pra ela que passou a pedalar como louca e rapidamente estávamos na vila onde haviam duas pousadas. Ela nem quis esperar, já entrou na primeira e assim acabou mais um dia, com a barraca ainda intacta, como peguei na loja.
André Pasqualini
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