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“Você vai viajando e pegando lembrancinhas dos lugares que você passa?” – Pergunta do Gleisson, garoto de 13 anos, morador de Varzea Grande, vila gaúcha na divisa com Santa Catarina.

“Lembranças são as fotos e as pessoas. Daqui a uns 20 anos irei lembrar daquele garoto de uma vilinha no meio da serra, bem na divisa do Rio Grande do Sul, que me deu um pouco do seu refrigerante. Quer lembrança melhor do que essa?”

Custei a levantar, o pedal do dia anterior foi castigante e no dia seguinte teria mais de 80 kms até São José dos Ausentes. Quebrado, com a grana curta, antes de sair coloquei meu celular para tocar as 16h00, não importa onde estivesse, tocando o celular eu iria começar a procurar um lugar para acampar.

Queria pegar a Rota dos Canions, mas ninguém sabia dizer exatamente onde era. Tem uma estrada que vai para São José dos Ausentes pelo meio da serra, mas tem outra estrada que segue mais próximo aos canions, como não havia sinalização, segui pela principal, que é asfaltada só no começo, pelo menos é na subida, um desnível de 200 metros.

Na saída havia uma placa informando que o Parque Eólico ficava a 18 kms. Pedalei um pouco e logo avistei as lindas turbinas, queria chegar pertinho, então subi novamente o morro.

O problema é que a sinalização é péssima, subl desci e quando eu vi, havia passado uns 2 kms da entrada do Parque Eólico, então segui em frente, tive que me contentar com as fotos das turbinas de longe.

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O trajeto não tinha subidas tão longas com o de ontem, mas era um constante sobe e desce. Apenas curti o pedal, pedalando sem muito compromisso, tentando girar leve para descansar as pernas.

Comecei a ouvir barulhos estranhos da corrente, ao invés de parar e verificar, segui pedalando, até que a corrente abriu, por sorte estava muito devagar. Consertei, passei um óleo e segui em frente, mas a corrente abriu novamente, dessa vez estava fazendo força no pedal, acabei tomando uma cacetada na canela. Tirei um elo da corrente e os problemas acabaram.

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Cheguei na divisa dos estados, uma longa descida, um rio e uma vila. Disseram que ali haveria um boteco, era alí que compraria minha desejada coca cola para tomar junto com os lanches de pão com goiabada que eu fiz lá na pousada.

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Entrei na vila e nada de boteco, vi dois garotos de bicicleta que me disseram que o bar estava fechado. Um dos garotos ficou babando na bicicleta, já comentou do freio a disco. Não teve como não se lembrar do garoto de Santa Terezinha, em Tocantins, que ficou babando na minha bicicleta e até sonhou que estava pedalando e apertando os freio a disco. No meu blog tem essa história, mas ela esta bem mais detalhada no meu livro (olha aí mais um motivo para você comprar).

Eles falaram para eu voltar e procurar outra venda, mas também estava fechada. Quando estava me preparando para sair da Vila o Gleisson venho até mim. Pedi água e ele me levou até a sua casa, meus planos era subir o morro e fazer meu almoço lá em cima. Foi quando ele perguntou – “Você quer um pouco de refrigerante?”

Puxa, que honra, pode parecer uma coisa besta mas achei o máximo ele me oferecer seu refrigerante. Expliquei para ele que esses refrigerantes, principalmente a coca-cola, quase metade deles são de açucar, o que faz mal para as pessoas sedentárias, mas para um ciclista na estrada, esse açucar dá uma energia extra, por isso queria tanto uma coca, para mim, ela hidrata e dá mais energia do que qualquer isotônico.

Ficamos de papo enquanto eu comia, estava óbvio que ele queria saber de tudo sobre minha bicicleta e sobre a viagem. Sempre causamos fascínio nas crianças, pois além da bicicleta ser o sonho de independência de qualquer criança, ao nos ver desbravando o mundo, elas tomam ciência de que
esse sonho é mesmo possível.

Saí de lá realizado, por mais que o trajeto não foi espetacular como nos dias anteriores, ganhei meu dia. Pedalei mais 15 quilômetros, estava a 30 de São José dos Ausentes quando o alarme do celular tocou. Estava perto do Pico Monte Negro, o ponto mais alto do RS, pensei em pedalar até lá mas a neblina estava avançando e seria perda de tempo.

No caminho encontrei a Pousada Monte Negro, pedi uma ajuda e deixaram eu acampar lá. Sem sinal de celular, armei acampamento, tomei banho, comi dois miojos e as 19h30 já havia terminado meu texto do dia e o sono batia na porta. Dormi e torci para o dia seguinte estar aberto para visitar o Pico Monte Negro.

Passei muito frio de noite, uma fina garoa, vento, noite nem tão agradável mas consegui dormir. De manhã, enquanto estava arrumando minha bike, já desanimado pela neblina que me impediria de ver o Pico Monte Negro, surgi um casal de Canadenses, são Bertrand e Vanessa, que desembarcaram dia 27 de maio em Floripa e que pretendem fazer um pedal de no mínimo 6 meses pelo Brasil.

História maluca a deles, levaram dois anos se preparando para um pedal na Russia, a idéia deles é pedalar por todos os países que terão Jogos Olímpicos (Russia terá Jogos de Inverno daqui a dois anos) até russo aprenderam, mas na hora de viajar tiveram problemas com o visto. Daí resolveram mudar o roteiro e vieram para o Brasil.

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De Santa Catarina, vão descer até as Serras Gaúchas e subir até o Pantanal, depois Floresta Amazônica, costa brasileira e Rio de Janeiro, cidade que receberá os Jogos Olímpicos de Verão. Quais as chances dele encontrarem no meio da viagem deles, um cicloturista que já havia passado pelo Pantanal?

O papo foi longe, a Vanessa engana num espanhol, já o Bertrand só entende. Eles até falam inglês, mas a lingua deles é o Francês, pois são de Quebec.

O trajeto até São José dos Ausentes é bem tranquilo, longos trechos planos, poucas subidas, estrada bem compacta e chegamos lá ao meio dia. Almoçamos numa churrascaria e seguimos em frente, rumo a Cambará do Sul. O ritmo deles é mais leve que o meu, mas também… O Bertrand carrega 60 e a Vanessa 50 quilos, olha que eles subiram a Serra do Rio do Rastro com todo esse peso!

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Pegamos um trecho ruim, muita névoa, uma fina garoa que deixava a pista um sabão. A Vanessa caiu uma vez, já eu fui pro chão umas 3 vezes. Não chegaríamos de dia em Cambará, então as 17h00, passamos a procurar um local para acamparmos, encontramos um lindo rio e armamos nosso acampamento a beira dele.

Fizemos uma fogueira e a Vanessa fez um macarrão com direito a cebola e pimentão. Comemos em volta da fogueira que se sustentou firme e forte, mesmo com uma fina garoa e seguimos para nossas barracas. Antes eles me mostraram um livro que o Bertrand fez depois de uma cicloviagem que ele realizou pelo Canadá do Atlântico ao Pacífico.

Pedalamos até Cambará e vamos ficar por aqui, mas sobre o absurdo que aconteceu hoje conosco, deixo para o próximo post.

E vamos lá pessoal, me ajudem no financiamento coletivo do meu livro, se cada um que acessar o blog deixar vinte reais, em um dia eu consigo alcançar a meta com folga. Leiam o primeiro capítulo que disponibilizei na página do livro, se não gostarem nem precisa comprar. Mas tenho certeza que vai bater a curiosidade e vontade de ler mais. Conto com vocês, um livro paga uns 20 miojos da minha viagem, combustível para poder levar a vocês cada vez mais novidades desse nosso Brasilzão. 😉

André Pasqualini