Anos atrás tive uma discussão fervorosa com o Bob Sharp que na oportunidade desceu a lenha no WNBR. Acabamos trocando emails raivosos onde ambos falaram muitas asneiras, mais movidos pela emoção e paixão pela causa que defendemos do que pela razão.

Confesso que apesar de as vezes ter vontade de torcer o pescoço dele em diversos momentos, até que me identifiquei com ele, tanto é que lembro de um email que ele me encaminhou em 2009 me desejando um Feliz Natal. Não respondi (confesso, fui grosseiro e me arrependo) mas acredito que ele tenha enviado de bom coração e que também percebeu essa identificação comigo.

Novamente ele surgiu em minha vida, dessa vez fazendo um contraponto a um artigo escrito pelo meu amigo Willian Cruz do blog Vá de Bike para a folha, enquanto um dizia “Não ao Carro” (apenas assinantes), outro dizia “Sim ao carro”.

Quando li seu artigo ri demais, obviamente que era algo escrito por alguém que é apaixonado por carros e que não deve ter o costume de usar outros meios de locomoção. Fiquei tentado a fazer um contraponto e responder os questionamentos que ele colocou em seu artigo.

Claro que não terei a abrangência de uma Folha, mas como ainda tenho seu email fiz questão escrever esse post na certeza de que ele irá ler. Como sei que meu blog será visto por centenas de ciclistas, tenho certeza que, além das dúvidas do Bob fazerem parte do imaginário de muitos motoristas, não deixa de ser uma forma de ajudar meus amigos ciclistas a terem argumentos nos constantes “papos de boteco” que teremos em nossas vidas, por muito tempo ainda.

Abaixo segue seu artigo, com minhas considerações em vermelho. Divirtam-se.

Quem inventou o Dia Mundial Sem Carro não tinha o que fazer

BOB SHARP
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não sei quem inventou essa história de Dia Mundial Sem Carro e nem me interessa saber, não vai fazer diferença. Só sei que tal manifestação carece de qualquer sentido prático, coisa de quem não tem o que fazer.

Concordo em parte com você, essa manifestação não tem mesmo o menor sentido prático, até porque para mais de 70% da população de São Paulo, o Dia Sem Carro é todos os dias. Mas serve sim para reflexão, pois grande parte dos motoristas (que se consideram dependentes do carro), não usam seus veículos por amor a eles, mas por achar que não existe outra opção melhor. Conheço muitas pessoas que motivados pelo Dia Sem Carro, descobriram outras formas de locomoção e reduziram o seu uso do carro.

O automóvel não é inimigo nem vilão. Pelo contrário, é uma das grandes conquistas do homem, um bem de consumo que lhe proporciona algo único: liberdade individual.

Liberdade individual? O carro pode até proporcionar relativa sensação de liberdade (pelo menos nos comerciais da TV), mas você fala isso porque não conhece a bicicleta. Eu conheço os dois e nada se compara com a bicicleta em matéria de liberdade individual e te provo isso, pois já cheguei de bicicleta em lugares que carro nenhum chegará.

Nenhum outro meio de transporte se iguala ao automóvel em disponibilidade para usá-lo na hora que quiser e quando quiser.

Ãhnn? Já experimentou andar de carro as 18h00 em São Paulo?

Nem mesmo o helicóptero, que chega perto, pode ser usado instantaneamente, as operações de decolagem e pouso não são tão simples. Perde-se ônibus, avião, trem; automóvel, nunca.

Perde-se ônibus mas se pega outro. Trem você sabe a hora que vai pegar e vai chegar. Quando o carro proporciona isso? Outra coisa, carro também quebra viu! Já vi ferrari parada no meio da Av. Europa e seu dono sem saber o que fazer, portanto perde-se carro também.

Problemas, claro que há. Trânsito parado, dificuldade de estacionar, custo, desvalorização, mas mesmo assim é um preço muito baixo pelo que se recebe em troca.

Se para você gastar 15 mil reais por ano apenas para manter um carro é um “preço baixo”, desculpe mas acredite, nem todas as pessoas do mundo tem as mesmas condições financeiras suas. Mesmo se um dia eu chegar no seu patamar, sempre irei achar um desperdício queimar 15 mil reais por ano só para ter um carro. Quem dera 100% da população tivesse o mesmo padrão de vida de você, para quem um valor como esse não faz falta.

QUEM DERA NÃO! Ainda bem que não tem, senão não teríamos planeta para produzir tudo que esse povo tem sede de consumir, ainda bem que carro é para poucos!

Aos que defendem o transporte público, pergunto como fazer para levar um bebê junto ao sair? É longe de ser conveniente levá-lo num ônibus ou metrô lotado.

Meu pai tinha um carro mas o usava para trabalhar e minha mãe nunca dirigiu (e jamais irá dirigir). Mesmo assim ela sempre levou eu e meus 4 irmãos para tudo que é lado, a pé ou de transporte público. Acredite, nenhum de nós morreu até hoje. Aliás daqui a pouco vou buscar meu bebê na casa da mãe dele. Vou de ônibus e como quase sempre ocorre, alguém vai ceder o seu lugar no bus para eu sentar, mesmo ele já tendo 5 anos.

Há, vou mais rápido do que se fosse de carro, até porque o trajeto inteiro é por corredor de ônibus.

Aos que advogam o uso da bicicleta, como fica num dia de chuva?

Aí você provoca né, pois bicicleta é minha especialidade. Na chuva nada que uma boa capa e uns paralamas não resolvam. Sabendo que minha média de pedal embaixo de chuva é de uma para cada 100 viagens, a chuva está longe de ser um problema. Aí sim uso da sua afirmação vale um plágio “é um preço muito baixo para o que eu recebo em troca.”

Outro detalhe, no verão, basta esperar uns minutos para a chuva passar. De bike não teremos dificuldades de parar num café, tomar um Açaí, ou mesmo um choppinho sem medo. Depois basta seguir viagem onde nem a capa se faz necessária, pois o calor do escapamento dos carros seca as ruas em minutos. E entre chegar em meia hora em casa como um pinto molhado e ficar 3 horas preso num carro devido a um alagamento, vou fácil de bike.

Como fica no caso de ir trabalhar e chegar transpirando? Tomar-se-á banho no trabalho?

Suor é um problema para ciclistas iniciantes, mas quando chega o condicionamento físico (menos de um mês de pedal é suficiente), suor deixa de ser problema. Na maioria das vezes chego aos meus compromissos menos suado do que se estivesse a pé ou mesmo de carro sem ar condicionado. Quando vou longe integro minha bicicleta dobrável com o Metro, faço pernas curtas e raramente transpiro. Nunca precisei tomar banho no trabalho, nosso amigo que fez o seu contraponto (Willian Cruz) é um bom exemplo, pedala uns 12 quilômetros até o trabalho todos os dias e vai de social ainda.

Como fica para uma família ir de um lugar a outro?

Meu filho ADORA quando eu levo ele de bike na cadeirinha. Se precisar levar a família e tiver um carro a mão, vou numa boa, não vejo problemas em levar várias pessoas nos carros. Nós sabemos que a maioria dos carros em circulação está com uma pessoa dentro e isso considero um problema. Não é ser contra o carro e sim contra o seu uso indiscriminado e muitas vezes desnecessário.

Deixemos que a razão prevaleça sobre a emoção. Todos sairão ganhando.

Isso, fechou com chave de ouro, meu problema “emocional” com o carro é a poluição que ele causa. Me sinto mal quando sou obrigado a usá-lo, mas se ele não poluísse (você sabe muito bem que existe tecnologia para isso, mas as montadores e distribuidores de petróleo boicotam essas alternativas) eu até poderia ter um carro.

Mas mesmo se esse carro existir, como raramente o usaria, é quase certo que chegaria a conclusão de que o mais inteligente será usar taxi ou alugar um carro quando necessário. Os apaixonados por carros como você devem entender é que diferente do que a Ipiranga inventou, “nem todos os Brasileiros são apaixonados por carros”.

A maioria só usa porque o considera a melhor opção. A partir do momento que descobrirem outra opção melhor, não hesitarão em deixar seus carros na garagem. Quando isso ocorrer, todos sairão ganhando, inclusive pessoas como você que não abrem mão de se deslocar com seus possantes.

André Pasqualini