Sempre fui muito tolerante ao sol, moleque aos 18 anos, parecia um índio, ficava o dia inteiro jogando bola, volei, sempre sem camisa, nada de protetor, morenasso.

Venho a bike e lá vou eu pedalar sem camiseta, só pra não ficar com a marca do “manguito” nos braços. Basta dar uma olhada nas galerias das minhas viagens antigas que me verá em várias fotos sem camiseta. Sinceramente não sei como eu aguentava pedalar com tanto sol.

Aqui no pantanal, procuro sair cedo, umas 5 da manhã horario daqui (7 de São Paulo e 6 de Campo Grande já que os pantaneiros ignoram o horário de verão) e pedalo até as 15h00, até mesmo para evitar encontrar uma onça no caminho, já que elas costumam sair para caçar no fim da tarde.

Saí da fazenda Campo Oliva as 5h00 da manhã, dia claro mas nublado. O Capataz disse que seria o dia inteiro assim, normal ficar nublado nos finais de semana. Primeiro só aí caiu a ficha que era sábado. Depois fiquei feliz pois poderia pedalar bem até durante o meio do dia, o que faria o pedal render.

Meu destino seria a fazenda Santa Cruz e depois a Mercedinha, já a 10 kms do Rio Taquari. Dependendo do horário tentaria esticar o pedal até o Retiro da Mercedez a 5 km do rio.

No caminho vi uma arvore repleta de urubus e senti um cheiro forte de carniça. Parei para ver o que era e descobri uma enorme anta morta. A carcaça estava fresca e não deu para saber o motivo da sua morte.

Depois descobri com o João Batista (João Carona, capataz da Mercedinha), que anta é muito dificil de se ver morta, nem onça ataca ela, devido a sua grossa pele. Pode ter sido morta por cobra, mas nem fiquei muito tempo para investigar.

Mais pra frente vi um grupo de veadinhos, pra variar todos correram, menos um. Me aproximei e vi que  ele estava com a perna quebrada, quando tentava correr ela dobrava pra frente. Então consegui chegar bem próximo dele e bati umas fotos. Dava para chegar mais perto ainda, mas fiquei com dó pois toda hora que me aproximava ele tentava correr e a perna dobrava pra frente, então tomei meu rumo. Esse logo irá virar comida de onça.

Chegando na Santa Cruz novamente um areião desgraçado, passei um corredor de boiadeiro empurrando a bike por uns 2 kms até chegar na Santa Cruz. Lá eu peguei um pouco mais de água. A minha estava gelada pois na Campo Oliva já tem freezer e energia elétrica. Já na Santa Cruz ainda é gerador e a água é só fresca.

Cometi dois erros aí, primeiro não ter enchido até a boca do garrafão e depois não ter parado para almoçar. Como cheguei tarde, perto do meio dia hora local, o povo já devia ter almoçado. Mesmo assim deveria ter comido um miojo, no mínimo.

Segui em direção da Mercedinha, nem mais pergunto se tem ou não areião pois o povo daqui nunca acerta dizer se tá bom ou não para bike.

Saindo da fazenda peguei um trecho ruim, com mato mas sem grama, o que segura demais a magrela, depois uns trechos curtos intercalando areião e lagos. Bem deixa explicar melhor os tipos de terrenos que temos no Pantanal.

Uma vazante é como um rio seco, mas com grama no seu leito. Ali sempre há trilhos simples ou duplos, feitos por carros. O melhor lugar para se pedalar.

Depois vem as pistas com pasto formado, trechos com trilhos de carro, cheio de areia. Locais difíceis para se pedalar, mas como tem grama ao lado, basta ir pela grama. Não dá para desenvolver mais que 10km/h, mas dá para pedalar.

Tem os areiões com cerrado baixo em volta. Ali você tem que sair da pista e andar no meio da mata. Precisa tomar cuidado para não se perder mas dá para seguir por lá.

Já a tristeza dos ciclistas são os areiões, trechos com areia pra todo lado, até mesmo no meio da mata. Aí a única solução é descer e empurrar. Mas no nosso caso não é apenas empurrar, mas sim arrastar a bike.

Peguei trechos curtos de areia, lagos secos com corixos (pequenos lagos que formam corixos, nome dado a esses poços, que ficam com água mesmo em época de seca) e num deles havia vários jacares. Como eles não são bobos, estavam todos dentro d’agua.

Meu relógio marcava 14h00, o que seria meio dia daqui, sol a pino castigava. Eu sempre pedalava (ou empurrava) até a próxima sombra onde bebia um pouco de água. Cheguei numa vazante grande, onde cruzei com facilidade, faltavam menos de 6 kms para o meu destino e achava que tudo correria bem.

Saí da vazante e peguei um areião lascado. A areia pelando de quente e enquanto arrastava a bike meu pé fritava. Nessa hora percebi que minha água havia acabado e faltavam 6 kms até a fazenda.

Comecei a empurrar a bike, até que teria uma longa e quente clareira para atravessar. Saí arrastando a bicicleta e meu pé fritava, faltava muito ainda e achei que iria queimar meu pé, quando cheguei numa sombra joguei a bike no chão e tirei minha papete. Ali percebi que se tivesse que empurrar até a fazenda poderia ter um sério problema.

Então calcei as sandalias da humildade, resolvi deixar a bike ali no mato e seguir a pé até a fazenda. Ali poderia pegar um pouco de água, esperar o sol baixar e voltar para pegar a bicicleta.

Caminhar naquele sol não foi fácil mas bem menos cansativo do que puxar a bike por 2 kms de areião. Levei o GPS e o rastreador, quase uma hora depois cheguei na fazenda. Lá estava apenas a Dona Mavi, senhora do João Carona, o capataz. Ela me deu água fresca e deixou comer umas mangas enquanto o sol baixava umm pouco.

Na fazenda eu mandei uma mensagem pelo rastreador dizendo que havia terminado o pedal do dia. Assim se houvesse alguém me acompanhando não os deixaria preocupados com minha ida e volta até a bike.

Então voltei bem mais disposto para a estrada para pegar minha bicicleta. No caminho de volta encontrei vários Quatis atravessando a estrada. Foi até fácil de fotografar pois não fiz barulho e estava bem perto deles. O problema foi ter que usar apenas a porcaria do meu celular.

Isso me lembrou que já começava a anoitecer e que era a hora dos bichos sairem das tocas. Isso vale para todos, desde cobras até onça. Então apertei o passo e cheguei no portão da fazenda. Ali já estava seguro, pois conseguia pedalar.

O dia me provou que não posso brincar com o sol, agora vou levar sempre duas das minhas garrafinhas com água numa mala térmica que tenho dentro do alforge. Assim se acabar de vez sei que tenho uma reserva que deverei racionar até o próximo ponto de abastecimento.

Depois de 6 dias pedalando direto, fiz uma pausa aqui na Mercedinha mesmo, dia de dar uma geral na bike, armar a rede e ficar de pernas para o ar.

Dores tenho no corpo inteiro, mas esse dia de descanso é fundamental para recompor um pouco os músculos e seguir a travessia o Pantanal.