Foto tirada para protestar contra o assassinato das árvores seculares das marginais Tietê em 2009, mas que vêem a calhar nesse momento também.

A Marginal é (ou tem que ser) uma Rodovia dentro da cidade?

Para dar base aos meus argumentos, usarei um pouco da minha experiência na área de mobilidade urbana, que estudo com afinco a mais de dez anos e principalmente em tudo que já li de artigos e pesquisas sobre o tema. O tema é complexo, por isso tentarei produzir uma série de artigos e tentar convencer (da mesma forma que um dia fui convencido) de que nenhuma vida vale o risco que iremos correr a partir de janeiro de 2017.

Como gancho para meus artigos, vou tentar desfazer alguns mitos, até porque os argumentos dos que defendem o aumento das velocidades estão longe de serem técnicos. Só peço a gentileza de deixarem o xiitismo de lado, pois se trouxermos para esse assunto o debate coxinha vs petralhas, só vamos perder tempo e se alguém insistir, nem vou responder, vou deletar o comentário e manter aqui só quem quiser debater de forma civilizada, vamos então aos argumentos.

Se a única solução for reduzir as velocidades, vamos ter que reduzir das rodovias também…

Muita gente acha que as pistas expressas das marginais podem ser equiparadas as rodovias e esse é um erro crasso, segundo o Art. 60 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro) temos duas categorias de pistas, Urbanas e Rurais. “Urbanas” são vias dentro das cidades, já as “Rurais” estão (ou deveriam estar) fora das cidades, por exemplo a Rod dos Imigrantes é considerada uma via rural.

A marginal é uma via urbana, caracterizada como “Via de Transito Rápido”, de acordo com o artigo 61 do mesmo código, sua velocidade máxima deveria ser de 80 km/h. Certa vez ouvi o prefeito, em sua campanha, dizendo que voltaria as velocidades regulamentadas como estão no no CTB, só que quem o informou estava mais equivocado que ele.

Mas então ele não pode subir a velocidade para 90 km/h?

Infelizmente pode, pois no parágrafo 2 do mesmo artigo, diz que a autoridade de trânsito pode aumentar ou reduzir a velocidade como bem entender. Ou seja, se conseguíssemos retirar esse artigo do CTB, com certeza reduziríamos pela metade as 40 mil mortes que ocorrem todos os anos no trânsito brasileiro.

Agora sobre a comparação de uma via de trânsito rápido com uma rodovia, primeiro que uma rodovia tem características bem específicas, ela não pode passar por trechos urbanos e quando isso ocorrer, para manter suas velocidades, ela deveria receber uma pesada infraestrutura para evitar para manter as mesmas condições seguras dos trechos com baixa circulação de pessoas.

No Brasil é comum nossas cidades crescerem entorno das rodovias, quando isso ocorre, os agentes de trânsito em geral as transformam em vias de Transito Rápido, ou vias Arteriais (via mais rápida que recebe semáforos), ou constroem anéis que circundam a cidade, como o Rodoanel de São Paulo.

No caso das nossas Marginais, elas não podem ser caracterizadas por rodovias por inúmeros fatores, que vão desde o desenho, até mesmo pela largura das suas faixas, pois enquanto em autoestradas elas chegam a ter 5 metros de largura, nas marginais elas variam entre 2,5 e 3 metros. Por exemplo, mesmo o Rodoanel, quando passa por regiões muito habitadas, ele é totalmente segregado do trecho urbano, tanto é que você só consegue acessá-lo via rodovias.

Outro detalhe é que a pista não tem áreas para paradas de emergências que possibilitam o retorno a via em alta velocidade, até porque elas não possuem acostamento. Vocês já pararam naquelas baias da pista expressa da Marginal Tietê do lado esquerdo? Eu certa vez tive que parar numa dessas áreas e quem já fez isso sabe o perigo que é retornar a pista, olha que quando isso ocorreu, a velocidade já era de 70 km/h. Minha sorte é que consegui sair com o carro, pior seria se ele tivesse quebrado e eu fosse obrigado a cruzar as pistas para chegar à via local. Vou aproveitar o gancho para rebater outra alegação sem sentido que cansei de ouvir…

O que o pedestre está fazendo ali na marginal?

Sim, tem alguns moradores de rua que vivem nas margens dos nossos rios, esses caras já são sobreviventes e sabem se virar até mesmo naquele ambiente, mas a maioria dos atropelamentos que ocorrem nas marginais são de motoristas que tiveram problemas mecânicos e se viram obrigados a atravessar até a pista local. Isso é mais comum do que vocês imaginam. Tem ainda os motoqueiros que são atropelados após uma queda e a letalidade desse tipo de acidente está diretamente ligado a velocidade máxima da via.

Ainda tem aqueles pedestres que morrem atropelados nas alças de acesso, já que são muitos os pedestres que usam nossas pontes para chegar do outro lado do Rio e praticamente em todas as pontes, em algum momento, os pedestres terão que passar pelas perigosas alças. O detalhe que essas alças são consideradas “Vias Coletoras” e pela lei, a velocidade deveria ser de 40 km/h. A última gestão instalou “lombofaixas” em algumas alças, justamente para obrigar o motorista a reduzir e dar a preferência ao pedestre como manda a lei.

Também tem os pedestres que caminham nas calçadas das pistas locais das marginais e que pasmem, precisam atravessar as ruas para chegarem ao outro lado. Esse é um dos motivos que a velocidade das locais deve ser baixa, pois pela lei, se o motorista ao realizar uma conversão, encontrar um pedestre atravessando (ou tentando atravessar), esse motorista tem que parar por completo o veículo e aguardar a travessia do pedestre. Caso ele não faça isso, ele está descumprindo o artigo 38 do CTB e podendo ser punido conforme o artigo 214 de forma grave ou gravíssima, mas é isso que ocorre? Claro que não.

Ao reduzir as velocidades de todas as vias, eu particularmente enquanto motorista, tive muito mais facilidade, tanto para perceber a intenção de um pedestre para atravessar uma rua, como mais segurança ao parar o carro completamente para que o pedestre fizesse sua travessia, mas agora que as velocidades irão subir para 60 km/h, o risco de levar uma colisão traseira será muito maior, com isso aumentaremos o desrespeito a preferência dos pedestres e consequentemente, seus riscos.

Confesso que não consigo enxergar a possibilidade desses aumentos de velocidades ocorrerem, sem aumentar o número de mortes e de acidentes. Nossas Marginais foram construídas numa época onde havia menos veículos e principalmente eram menos potentes. Para suportar essa quantidade de veículos que temos hoje e principalmente com a facilidade deles andarem a mais de 100 km/h, seria necessário um redesenho total de ambas as marginais, com reforma do asfalto, construção de acostamentos e correção das irregularidades, seria uma imensa obra urbana só para que fosse possível aumentar as velocidades sem aumentar o número de vítimas fatais.

Seria necessário um investimento bilionário nessas obras, algo até maior que os 2 Bilhões que foram gastos no aumento das pistas que as Marginais Tietê receberam anos atrás (e que não adiantou nada). A pergunta é, vale a pena nosso governo investir Bilhões nessa reforma? Ou vale a pena alguém morrer só para satisfazer uma vontade de correr e de chegar mais rápido de madrugada em casa? Pois só mesmo de madrugada é possível andar pelas marginais em sua velocidade máxima. Vale a pena alguém perder uma vida só por causa de um capricho?

Se já é difícil sensibilizar as pessoas com a morte desnecessária de árvores, será possível sensibilizar a população com a perda de vidas humanas?

Ou seria melhor manter as velocidades reduzidas, com menos acidentes, menos mortes, menos gastos com combustíveis, menos emissão de poluição, menos gastos com saúde pública e usar esse dinheiro para investir na melhoria do transporte coletivo?

Por isso, caso você seja um defensor do aumento da velocidade, não seria porque você está colocando seu gosto por velocidade acima da coletividade? Será que você não está perdendo a sua humanização, já que uma morte de um desconhecido não te sensibiliza mais? Tudo bem, é da nossa natureza pensarmos primeiro nos nossos umbigos e na coletividade apenas quando nos convêm, mas se desejamos evoluir como sociedade, é fundamental resgatar um pouco da humanidade que estamos perdendo.

Para encerrar leiam esse relato de uma senhora preocupada com o aumento da velocidade das marginais.

Morei e trabalhei em São Paulo por 60 anos. Nesses últimos dois, fiquei mais contente com a redução das velocidades, mesmo porque, quando vou visitar meus filhos, tenho que pegar a marginal Pinheiros, que sempre foi meu bicho papão.

A simples decisão de reduzir as velocidades, não só salvou vidas, como democratizou o espaço público tornando mais seguro e mais a um maior número de pessoas e não restrito apenas aos motoristas hábeis e corajosos, portanto se mesmo assim você continua a favor do aumento das velocidades, mas de alguma forma se sensibilizou com a situação dessa senhora, por favor, repense seus pontos de vistas, pois ainda há humanidade em você.

Tem outros pontos que pretendo explorar, aguarde que em breve trarei novos argumentos para melhorar ainda mais o debate.

André Pasqualini