Já sofri alguns assédios, principalmente quando tinha meus vinte e poucos anos, mas um desses assédios ficou bem gravado na memória. Estava num ônibus e na época a saída era por trás, quando ia descer haviam várias garotas bem desbocadas no fundão. Na época era bem sarado, cabeludo, bronzeado, estava só de bermuda e camiseta, com minhas “indecentes” coxas a mostra. Quando passei por elas fui fortemente assediado, uma passou a mão no meu cabelo, veio me acompanhando dizendo palavras pra lá de obscenas e quando descia as escadas do ônibus ela enfiou a mão na minha bunda. Com certeza só fui assediado porque usei “roupas provocantes”, não é? Então a culpa foi minha?
Olha que a garota era bonita, em qualquer outra situação ela teria chamado minha atenção, mas naquela parecia um monstro. Bem que poderia ter reagido de forma desproporcional, mas foi algo tão inusitado que fiquei sem reação. Tenho certeza que a maioria dos homens que lerem esse texto vão achar que o absurdo aqui é eu não ter gostado. Muitos sentirão inveja, principalmente aqueles que parecem desejar acordar e perceber que sua vida virou um filme pornô, mas mesmo estes, se passassem pelo que passei se sentiriam incomodados.
Foi quando pensei, já imaginou se eu fosse mulher? Como seria passar diariamente por situações como essa? É encoxada no metrô, cantada escrota na rua, já imaginou ser mulher e estar com pai morrendo, mãe no hospital, cheia de problemas, daí um FDP no meio da rua te chama de “gostosa”, diz que “vai te lamber todinha” (olha que estou pegando leve) e por aí vai? Ninguém poderia passar por uma situação como essa como se fosse algo normal, mas a maioria delas passam. E nossas ciclistas? Quantas já não sofreram algum tipo de assédio na rua? Uma amiga minha pedalava na Eliseu (quando não havia ciclovia) e um carro com vários “homens” começou a andar ao lado dela proferindo “sutilezas”. Até que um dos “homens”, passou a mão na bunda dela e com o susto levou um tombaço. Claro que eles nem pararam pra ajudá-la.
E quando pedalava com minha mulher pelas ruas de Recife, principalmente nas áreas periféricas quando íamos realizar os treinamentos nas garagens de ônibus. Eu tinha que andar colado atrás dela, pois bastava me afastar por 5 metros para um motoqueiro colar ao lado dela para falar obscenidades, em um mês essa situação deve ter ocorrido umas 50 vezes. Ela claramente incomodada, sem poder fazer absolutamente nada e torcendo para que eu não alcançasse o fdp pra merda não ser ainda maior. Agora homens, imaginem você nessa situação, sendo mulheres e sabendo que se partirem pra ignorância, provavelmente levarão a pior.
Se eu fosse mulher, sendo como eu sou, já teria dado uns cacetes em alguns, mas com certeza teria apanhado muito mais, ou mesmo sofrido agressões piores. Pra deixar a coisa mais complicada, já imaginou se alguém tentasse transar comigo a força? Aquele documentário que concorreu ao Oscar fala que uma a cada cinco estudantes já foi estuprada. Conhecendo a cabeça dos homens, não ficaria surpreso se os números reais fossem até maiores.
Lembro que lá pros meus 20 e poucos anos, fiquei com uma garota na casa dela e dormimos em sua cama. Ela queria ficar comigo ali mas não queria transar, já eu estava subindo pelas paredes, a provocando de todas as formas, tentando de todas as maneiras. Apesar da testosterona saindo pelos cabelos, sabia que havia um limite e esse limite se chamava “não”. Mas ela provocou, claro que provocou, ninguém deixa um cara dormir na sua cama se não quer ele ali, claro que ela até estava com vontade também, mas havia um motivo pra não querer transar, eu tinha que respeitar e respeitei.
Mas conheço vários “homens” que não respeitaram, mesmo ouvindo um não, continuaram forçando a barra até conseguir o que queriam. Como também conheço mulheres que disseram “não” e mesmo assim foram violentadas. Sabiam que se levassem a história a diante seu sofrimento só pioraria, pois nossa sociedade não iria demorar para encontrar uma forma de colocar a culpa na mulher, como se o coitado aqui fosse o estuprador. Poderia ter feito o mesmo naquele dia, até porque já tinha consciência de que a sociedade a qual pertenço me concede esse “habeas corpus”. Não duvido que ao final das contas, até ela acabaria sendo convencida de que eu tinha o direito de violenta-la, mas ainda bem que não segui tais “padrões morais”.
Nesse dia internacional da mulher, não quero deixar uma homenagem, mas quero provocar os homens a pensarem. Do assédio a discriminação no trabalho, até dentro da família, as dificuldades que elas enfrentam até para andar de bicicleta, tudo é mais difícil só pelo fato de ser mulher, é bom refletirmos pois se elas se encontram nessa situação, muito se deve as atitudes de nós homens.
O Dia Internacional da Mulher não deveria existir e só existe porque ainda vivemos numa sociedade doente, falha e desigual. Dá pra fazer um paralelo com o “Cicloativismo” que só é necessário em sociedades que privilegiam os carros em detrimento a todo o resto, como a nossa sociedade que privilegia o homem (branco) acima de todo resto. Mesmo com a melhora das condições das mulheres, ainda estamos MUITO longe de podermos dizer que vivemos numa sociedade onde a mulher é tratada como igual. E se realmente quisermos mudar essa situação, primeiro temos que aceitar essa realidade.
Pra encerrar, deixo minha mensagem de força para todas as mulheres, vocês realmente são fodas, pois tem que ser muito “macho” pra ser mulher. (Só usei esse termo pois como vocês perceberam, meu texto é para os homens que em sua maioria ainda não sabem que “ser mulher” é que é sinal de força e que ser “macho” não passa de sinal de fraqueza). Portanto fica meu apelo aos homens, usem esse dia para refletir, pense em como seriam suas vidas se nascessem mulheres e tentem se colocar (de verdade) no lugar delas. Se conseguirmos nos imaginar sofrendo as mesmas agressões que infelizmente praticamos, poderemos passar a acreditar que aquela civilização utópica pode sim ser uma realidade.
André Pasqualini