Trabalhava na Rua Funchal (Vila Olimpia/ZS – SP) e seguia para o trabalho, havia acabado de cruzar a movimentada Avenida dos Bandeirantes. Quando o semáforo abre um mar de carros começa a cruzar, meu prédio fica na segunda quadra do lado direito, mas não posso ficar a direita, pois a maioria dos carros dessa faixa entra na Dr. Cardoso de Melo. Conheço bem a via e a lógica do fluxo dos carros, então vou para a faixa da esquerda, ultrapasso os carros que estão fazendo a conversão e volto para a direita. Mas faço isso embalado já que trabalhava no segundo prédio da quadra e sua entrada era em rampa (subindo), daí aproveito o embalo para entrar “voando” no prédio.

Um belo dia, o carro da direita que ultrapassei não fez a conversão e seguiu em frente. Nesse dia estava com minha Dahon Eco (quase essa aqui só que velhinha). Pensamento rápido, tiro a mão do guidão para sinalizar que iria entrar a direita no prédio, mas sem reduzir a velocidade, pois preciso do embalo pra subir a rampa. Claro que não havia pedestres e quando há não entro como um abestado.

Tirei a mão e sinalizei, mas havia um defeito na via e com uma só mão, o guidão da Dahon (que é muito sensível), virou e tive uma entrada triunfal no meu trabalho, pela primeira vez cheguei rolando…

O carro que vinha atrás parou, eu rapidamente me preocupava em sair da via e tirar minha bike de lá, mas o motorista fez sinal que eu poderia fazer com calma, que ele não iria passar por cima de mim. Então sai atrás dos pedaços do meu pedal, da bike e liberei a pista.

Outra situação, uma cicloviagem até Sorocaba onde um amigo meu levou sua namorada que até então só tinha feito pedais no bairro e na academia. Pra piorar ele a colocou para pedalar  numa Speed. Acreditem esse cara até casou com a garota (nessas horas acredito que o amor existe). Detalhe que o cara manja muito de mobilidade sobre bike e hoje é bike anjo! Claro que na época não manjava tanto assim. Não citarei nomes e deixarei o mané se entregar nos comentários.

Nem preciso falar que no caminho a garota acabou se enroscando com outro ciclista (a culpa não foi dela) e levou um capote. Depois propus uma troca, que ela pedalasse a hibrida do namorado, pois é bem mais fácil de pedalar do que uma speed.

Feita a troca comecei a conversar com ela, dando dicas de como se comportar na estrada, no pedal. A garota não conseguia sequer virar o rosto para mim (sou feio mas nem tanto), só olhava pra frente. Ofereci um cubo de doce de leite, ela olhou sem virar o pescoço e disse “Não, obrigado”. Perguntei se ela não queria porque não gostava do doce ou porque ela estava com medo de tirar as mãos do guidão. Ela sorriu e disse que era a segunda opção.

Com calma, falei primeiro para ela tirar uma das mãos e ficar pedalando só com a mão sobre o guidão mas sem encostar. Pedi para ela repetir o mesmo com a outra mão várias vezes, até ela se acostumar. Quando se acostumou, peguei o doce e falei “Tire a mão, pegue o doce, depois coloque a mão no guidão novamente”. Ela conseguiu fazer e falei “Agora com calma, leve o doce até a boca e depois calmamente volte a mão para o guidão”. Todo esse processo levou uns 20 minutos até que ela finalmente conseguiu comer o doce de leite.

Porque desse post?

Porque eu percebo que a maioria dos ciclistas, depois que acostumam a pedalar e começam a fazer até firulas na bike com tamanha naturalidade, se esquecem do quanto foi complicado começar a pedalar e ter a noção de equilíbrio numa bicicleta.

Então vejo ciclistas experientes e muitas vezes até empresas que vendem bicicletas, dando dicas aos ciclistas como “Sinalizem sua intenção”. Caramba, como pedir para um ciclista sinalizar sua intenção se ele mal consegue ainda tirar as mãos do guidão? Uns com certeza irão falar que se o cara não sente segurança de guiar com uma mão ele não pode pedalar. Claro que pode, vejam o exemplo da namorada do meu amigo, mesmo sem muita prática pedalou mais de 100 quilômetros até Sorocaba!

Ciclista iniciante observa um ciclista experiente como quase um Deus e nessas horas temos que ter muito cuidado com nossas dicas, pois podemos exigir deles algo que ele ainda não são capazes de fazer e com isso desestimular esse ciclista a pedalar. Ou pior, tentar seguir nossas “dicas” e acabar se estrepando.

Não estou escrevendo esse post para ciclistas iniciantes, mas para os experientes que muitas vezes, na ambição de ajudar, acabam atrapalhando, quando não, colocando em risco os novos ciclistas, portanto muito cuidado com nossas “dicas”

Pedalar TEM que ser algo simples, precisamos compreender que quanto mais complicarmos o ato de pedalar, maior a quantidade de barreiras que colocaremos entre um ciclista e a bicicleta. Acreditem, para a maioria há uma distância monstruosa dele para a bicicleta, não física, pois na maioria das vezes ele precisa ir apenas até o depósito no seu prédio, mas sim psicológica. Falar para o ciclista sinalizar, andar de luva, capacete, joelheira, na direita, na esquerda, na contramão, plantando bananeira, são avaliações pessoais que os ciclistas tem que aprender a fazer e isso vem com o tempo, com a prática.

Temos que ensinar os ciclistas a dominarem a bicicleta e aprenderem como fazer essas avaliações. No post que eu escrevi falando porque os ciclistas cometem infrações de trânsito e no que discuti os ciclistas e as calçadas, em resumo disse, no dia em que a bicicleta estiver totalmente inserida na lógica de mobilidade viária das nossas cidades, 99% dessas infrações serão desnecessárias.

Temos que esperar a “cidade ideal” para colocar mais bikes nas ruas? Claro que não!

Quando tento convencer uma pessoa que pedalar não é coisa de maluco (acreditem, faço isso diariamente) procuro focar no simples, tanto é que consegui resumir todas minhas dicas num único Twitt. Concentre-se em “Planeje o caminho”, “Seja Visto”, “Se imponha na via” e por último “Pedale!”. Como estou no blog vou justificar cada ponto.

Planeje o caminho: Um novo ciclista ou é ex-motorista ou só anda de ônibus, portanto o trajeto que ele conhece é aquele que ele faz de carro ou o do ônibus que na maioria dos casos anda na maior parte do tempo em grandes avenidas. Não apenas traço uma rota mais segura a esse ciclista como explico porque ela é melhor, tanto verbalmente, como na prática. Eu posso até traçar todas as rotas que ele precisa, mas o mais importante é ele aprender a traçar a sua, pois não estarei sempre ao seu lado (no dia que morrer doarei meu cérebro para uma empresa de GPS, para eles criarem um aplicativo de celular).

Seja Visto: O motorista brasileiro aprende, desde bebe, que a rua é lugar dos carros e inconscientemente eles só enxergando outros carros. Nas pesquisas que fiz sobre acidentes fatais com ciclistas, percebi que a maioria ocorrem de noite ou na hora do “Lusco-Fusco”, quando está amanhecendo ou anoitecendo. Portanto ter iluminação eu considero mil vezes mais importante do que luva e capacete.

Quando eu pedalo sem iluminação, faço isso já prevendo que os motoristas podem não me ver, portanto incondicionalmente acabo tomando várias atitudes defensivas. O ciclista iniciante tem que saber disso pois seu pisca pode quebrar, ele pode esquecer a abraçadeira com pisca em casa e por ai vai.

Se imponha na via: Uma complementação do “Seja visto”, nada de andar na faixa de escoamento pluvial, como uma motorista disse ser a nossa “ciclovia”. Pedalar junto a guia pode causar vários acidentes, o pedal pode bater na guia, você pode esbarrar num pedestre que está andando perto da rua, ou mesmo o pedestre pode ser obrigado a andar na rua em algum instante (já que nossas calçadas são um nojo) e você precisa de uma margem para reação.

Quando me perguntam qual é essa maldita distância eu respondo. “Estique o braço em direção a guia, se não conseguir encostar num pedestre na calçada, está numa distância segura”. Se não consegue fazer isso andando, pare a bike e estique o braço né! Outra coisa, a distância do 1,5m foi calculada porque nossas faixas de rolamento tem, em média, 2,5 metros. Se você está andando rente a guia, raramente o motorista mudará de faixa para te ultrapassar, já se estiver nessa distância que falei, instintivamente, o motorista irá para a outra faixa, até como forma de se orientar.

Pedale: Estamos carecas (pelo menos eu estou ficando) de saber que quanto mais ciclistas nas ruas, mais acostumados conosco os motoristas ficam. Muitos ciclistas também acabam estimulando o poder público a investir em melhorias para nós, portanto quanto mais ciclistas colocarmos nas ruas, melhor para todo mundo.

Agora sinalizar, capacetes, coletes refletivos, spandex, tchaco com lança chamas, ou seja lá qual for o acessório além da bicicleta, isso pode sim funcionar como um agente dificultador para o ciclista iniciante. Primeiro vamos trazê-los para o nosso mundo, depois que o ciclista já estiver no nosso mundo e contaminado pelo vírus da bike, ele vai saber escolher o que é melhor ou não para ele.

Outro exemplo foi quando comecei a levar o pessoal da Bicicletada para Cicloviagens. Nas primeiras viagens tinha gente até de jeans, garotas de vestidos e por aí vai. Daí falei para eles que cicloviagem não é o mesmo que pedalar para a escola ou trabalho e que trajes adequados fazem muita diferença. Daí nas outras viagens a moçada estava toda de spandex, mas não porque eu falei apenas, porque sentiram na prática que para longas distâncias e pedais mais fortes, uma vestimenta adequada faz toda a diferença.

Por isso insisto que não precisamos enfiar a carroça na frente dos burros, quanto menos complicar a vida do ciclista iniciante, mais rapidamente o traremos novos ciclistas nas ruas. Acreditem, eu já tentei de tudo e os anos de experiências (além de diversas pesquisas sérias que temos por aí) me mostraram que esse é o melhor caminho.

André Pasqualini