Recentemente a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo divulgou um dado falando do aumento no número de acidentes envolvendo ciclistas em todo estado de São Paulo e isso só causou confusão, pois ficou parecendo que andar de bicicleta está mais perigoso, o que não é verdade.

Não dizem por aí que se você espremer bem uma estatística ela dirá exatamente o que você pretende dizer? Isso é verdade, números não são simples de serem explicados em uma lauda de 3 mil caracteres, por isso resolvi escrever esse artigo.

Primeiro vamos aos números que temos, segundo a Secretaria Estadual de Saúde, aumentou o número de acidentes envolvendo ciclistas. Fala do aumento mas não divulga os número completos, apenas parte deles, procurei os dados envolvendo todos os demais modais e não encontrei. Também não há números regionalizados, apenas números totais. O único número que encontrei foi um dado usado pelo Jornal Nacional em uma matéria sobre o assunto (a qual fui entrevistado) e nela informa os números totais de internações no sistema de saúde estadual dos dois últimos anos:

2010 – 3217

2011 – 3400

Um aumento de 183 casos que significa um percentual de 5,6%. Para saber se esse aumento é preocupante, seria necessário termos o número de ciclistas pedalando nos dois anos em todo estado, algo que não temos. Afirmar que esse é um dado realmente preocupante não passa de achismo, não importa se a afirmação vem por parte de nós ciclistas, ou de qualquer instituição. Por se tratar de achismo, jamais deveria ser usado em uma matéria, ainda mais no Diário Oficial.

Mas mesmo assim tentarei fazer uma avaliação, levando em conta que o número de deslocamentos por bicicleta quase dobrou em 10 anos (de 1997 a 2007) segundo a Pesquisa Origem e Destino do Metro (OD) (veja página 35), o que significa um aumento médio de 10% ao ano na região metropolitana de São Paulo, onde temos metade da nossa população do estado. Se levarmos em conta nossa percepção visual, fica claro que ocorreu um aumento substancial de ciclistas nos últimos 5 anos, pelo menos na cidade de São Paulo, o que deve refletir num aumento expressivo na próxima OD. Mas serei conservador e considerarei que o aumento se manteve no mesmo ritmo de 10% ao ano.

Se o número de ciclistas aumentou em 10% e o de acidentes em 5%, significa uma estabilidade ou até mesmo uma redução no número de acidentes, consequentemente uma melhora na sensação de segurança, algo que qualquer ciclista mais antigo consegue notar pedalando por São Paulo. O que deveria ser pauta de estudo é o número qualitativos e não quantitativos, mas até mesmo para o jornalista da Imprensa Oficial, ao que parece, ele esta mais preocupado com a manchete do que com o conteúdo da sua matéria.

Outro dado importante é separar os acidentes em duas categorias, as quedas e colisões. Quedas vou considerar todos os tombos que os ciclistas levam sem a influência de terceiros em veículos motorizados. Já colisões vou considerar quando o acidente envolve um veículo motorizado, nesse caso não importa se o veículo colidiu ou não com o ciclista, mas se ele de alguma forma contribuiu com a queda, seja com uma fina ou um susto por buzina, considero uma colisão.

As colisões são o verdadeiro problema para os ciclistas e devem ser atacados com políticas públicas de proteção ao ciclista, com investimento do poder público em infraestrutura, fiscalização, sinalização e treinamento de motoristas e ciclistas para que eles evitem as colisões. Lembrando que as principais colisões ocorrem nas seguintes situações e nessa ordem:

1º) Cruzamentos:  Nesse caso um dos agentes (ciclista ou motorista) deixa de respeitar a sinalização. Falando do ciclista, sabemos que muitos de nós (me incluo no bolo) nem sempre respeitamos os sinais de trânsito. Punir o ciclista nesse caso não resolveu a situação em nenhum lugar do mundo e a solução foi adaptar o sistema viário a lógica do ciclista, seja criando os Bikebox, a abertura do semáforo para o ciclista, segundo antes do que para os motoristas. Essas são duas ações que o poder público poderia fazer para zerar essas infrações, consequentemente reduzir os riscos das colisões, já que em diversas situações corremos mais risco respeitando a lei do que avançando um sinal aberto para os pedestres por exemplo.

2º) Ultrapassagens: Acidentes nessa situação tem como culpa, única a exclusivamente do motorista, pois a lei diz que o motorista deve manter uma distância de 1,5 metros e reduzir a velocidade ao nos ultrapassar. Nesse caso apenas fiscalização e educação resolvem.

3º) Conversões: Outra situação onde a culpa é também exclusiva do motorista, pois a lei diz que ele tem a obrigação de dar preferência, tanto ao ciclista, como aos pedestres ao realizar uma conversão, mais uma situação que apenas a educação aliada com a fiscalização pode minimizar os problemas.

Portanto é aí que nós ciclistas e o Poder Público devemos concentrar forças para agir, no número de colisões e principalmente de mortes de ciclistas e não de “quedas”, o que iremos avaliar agora.

As chances de sequelas graves nas colisões são infinitamente maiores do que nas quedas e elas merecem ser tratadas de forma diferenciada. Basta um dia de pedal na Ciclofaixa para perceber que o número de quedas é enorme, mas as chances de gravidade são mínimas.

Minha namorada, por exemplo, pedala a cerca de seis meses e já sofreu ao menos três quedas. A maior conseqüência que ela teve, além de uns pequenos roxos pelo corpo, foi passar vergonha por ter caído na frente dos outros, longe de alguma de suas quedas tê-la colocado em risco. Eu mesmo durante minha Cicloviagem do Projeto Biomas (que detalho no meu livro A Vida em Ciclos), sofri várias quedas, mas nenhuma sequer colocou tanto eu ou minha viagem em risco.

As quedas fazem parte da vida do ciclista e esse é o principal motivo dos ciclistas profissionais se depilarem. Não fazem isso por estética ou para melhorar a aerodinâmica, mas para acelerar as cicatrizações da pele, já que quedas estão na rotina do ciclista que sempre está pedalando no limite. Eu por exemplo sou bastante peludo (particularmente preferiria não ter pelo nenhum) e quando levo um tombo que me deixa com uma escoriação, trato de retirar com pinça todos os pelos do entorno (ARGH!) do ferimento, para acelerar o processo de cicatrização e evitar infecções. Mas já tem uns 8 anos que não levo uma queda que me deixe com um ralado no corpo por exemplo.

Já um ciclista iniciante está muito propenso a pequenas quedas, algo natural durante essa etapa de ganho de coordenação motora e habilidade. Por isso é recomendável o uso do capacete em crianças. Aliás, o capacete só é obrigatório na Holanda para crianças de até um limite de idade, já que ela, durante esse período de aprendizado está mais exposta ao risco de queda. Por isso que muitos ciclistas recomendam (quando não ordenam) o uso de luvas e capacetes para ciclistas iniciantes. Na minha opinião, usar ou não o capacete deve ser uma opção do ciclista, mas só depois que ele já conhece bem os riscos de pedalar e que não tem mais problemas de coordenação motora sobre a bike.

Por isso que afirmo que quedas, raramente trazem riscos aos ciclistas, isso a própria tão contestada reportagem do Diário Oficial aponta, veja o que diz o mesmo médico que ao final da reportagem em que nos aconselha a só andar em parques:

“Em geral, os traumas são fraturas solucionáveis com tratamento cirúrgico e pouca probabilidade de sequelas”

A matéria ia até bem quando o médico resolveu dar sua opinião. Opinião pode ser respeitada, mas não encarada como a de um especialista e sim de um médico carrocrata que desconhece o que vem a ser o ato de pedalar. Aliás, garanto que se sua opinião fosse perguntada em relação aos acidentes envolvendo motoristas, como muito provavelmente ele também seja um, jamais ele iria aconselhar as pessoas a não dirigirem, mesmo se ele soubesse que o número de internações envolvendo motoristas é maior que os de ciclistas.

Outra pergunta, porque não vemos nenhum médico aconselhando as pessoas a não andarem de moto, ou mesmo a pé, já que as internações de motoqueiros e pedestres são infinitamente superiores as dos ciclistas? A culpa é única e exclusiva da cultura carrocrata que muitos ciclistas tentam mudar. Nada de teorias conspiratórias, de que a indústria automobilística engana o povo, ou que há interesses do governo. A indústria automobilística, como qualquer indústria, quer vender seu produto e vai usar suas verbas de marketing para enaltecer as qualidades e mascarar os problemas dos seus produtos, nada diferente do que qualquer indústria no mundo capitalista.

Até mesmo nós ciclistas, quando vendemos a bicicleta, acabamos mascarando as dificuldades existentes no ato de pedalar. Claro que sem a sordidez capitalista, mas procuramos minimizar essas dificuldades, pelo menos no início, quando um ciclista iniciante está começando a pedalar. Nosso salvo-conduto é porque temos ciência de que o terror existente na cabeça daqueles que não pedalam está muito longe da realidade que encontramos nas ruas, por isso procuramos apontar os riscos que o ato de pedalar possui conforme o ciclista vá ganhando confiança e segurança para pedalar sozinho.

Já o Poder Público não passa de um reflexo da sociedade e se hoje estão discutindo mobilidade urbana e a bicicleta, fazem isso apenas porque o povo quer, pois há poucos anos atrás, eu tinha uma enorme dificuldade em convencer qualquer pessoa de que a bicicleta era um meio de transporte viável, algo que dificilmente ocorre hoje.

Já disse diversas vezes que vivemos um momento de transição e durante a consolidação dessa nova realidade, do fim da era do carro, haverá muita confusão de informações até que essa nova cultura e forma de enxergar a cidade se consolide.

Nesse caso em específico, o que ocorreu não passou de um mal entendido, da opinião de um médico carrocrata, que desconhece por completo nossa realidade, e de um jornalista do Diário Oficial, possivelmente um concursado, que provavelmente sequer tem alguma ligação político partidária. Seguindo o “manual” que muitos jornalistas infelizmente rezam, teve acesso aos dados superficiais e resolveu escrever uma matéria de três mil caracteres, isso sem se aprofundar na pesquisa. Apenas viu o número, tirou uma conclusão superficial e correu atrás de um pseudo-especialista para confirmar sua tese.

Toda essa percepção, qualquer ciclista minimamente informado, descontaminado de tendências partidárias, conseguirá ter. Agora defender que esse texto reflete a política do Governo Estadual em relação as bicicletas beira ao ridículo, nem seria necessária uma resposta, chega ser uma afronta a minha inteligência e a de muitos ciclistas.

Aliás cuidado, em época de eleições isso é normal ocorrer, portanto é bom avaliar bem as propostas dos políticos sobre o que eles pensam em relação a bicicleta (aqui pode ser um bom começo) e também acreditar que políticos podem mudar de opinião. Um bom exemplo temos no próprio PT, não podemos esquecer que o Chico Macena, um dos maiores defensores da bicicleta que possuímos atualmente, foi presidente da CET na gestão Marta e não fez nada pelos ciclistas na época. Inclusive foi na sua gestão que ocorreu o aumento de velocidade das vias arteriais da cidade, de 60 km/h para 70 km/h, equivoco que tenho certeza que ele mesmo deve se arrepender atualmente.

As pessoas mudam, eu mesmo mudei a minha forma de enxergar a cidade no início do século, apesar de pedalar desde 1993, apenas depois de 2004 passei a ver a bicicleta no contexto de mobilidade urbana e questionar essa Sociedade do Automóvel a qual eu era mais um refém. A mudança que ocorreu comigo, também ocorreu com o Macena (um dos poucos políticos que eu tenho admiração e respeito), com a Soninha e vem ocorrendo em várias pessoas e políticos relevantes, mas ainda não chegou a todos, por isso precisamos de atenção. Não chegou ainda a esse médico ou ao jornalista responsável pela matéria, mas com certeza irá chegar depois de tanta repercussão.

Por fim, só escrevi esse post porque percebi que a repercussão estava tomando um rumo equivocado, precisamos ter mais atenção no que é espalhado pela mídia e principalmente nas opiniões que circulam nas redes sociais. Fazer uso político partidário de uma notícia até dá para aceitar, o que não pode ocorrer é atrelar a isso a desinformação é fazer o jogo sujo que sempre condenamos. Portanto na hora de opinar, que façamos com base em estudo e pesquisa e sem subestimar nossa inteligência.

André Pasqualini