Em outubro de 2010, quando ainda estava a frente do Instituto CicloBR, em parceria com os técnicos da TC Urbes, apresentamos um projeto de um sistema Cicloviário com bases em Ciclofaixas e tráfego compartilhado, inclusive entre ônibus e bicicletas. Um modelo polêmico, mas que obviamente não seria implantado sem um prévio treinamento junto aos motoristas de ônibus que passam pela via e principalmente sem um tratamento de redução de velocidades na região. Os detalhes do projeto apresentado a CET pode ser conferido aqui. Esse pdf não foi a última versão que apresentamos (quando tiver ele em mãos divulgo), mas dá para se ter uma idéia do que apresentamos e comparar com o que foi implantado.

Essas reuniões ocorreram até outubro de 2010, depois disso a CET fez seu próprio projeto  mas não nos chamou para discuti-lo antes de implantado.

Fui até Moema no dia 06 de novembro de 2011, um dia após o lançamento oficial e fiz minhas avaliações. Nesse post vou colocar minhas impressões com base na minha experiência técnica e também minhas observações em relação a inúmeras (algumas infundadas) críticas ao projeto que tenho lido e ouvido na mídia.

Agora críticas individuais como daquela dona de uma botique que não está preocupada com a cidade, mas sim em como suas clientes de salto alto vão fazer para parar seus carros importados, ou mesmo das pessoas que resumem tudo a indústria de multas, essas vou considerar trolls e ignorar. Portanto se quiserem usar o espaço dos comentários para “resumir” suas críticas nem percam tempo. Agora se você está a fim de discutir questões coletivas, esse será um excelente fórum. Portanto vamos às avaliações.

Sobre o Traçado

Clique aqui para ver o traçado implementado pela CET

Quando trabalhamos no traçado do sistema de ciclofaixas de Moema, pensamos em vias ligando pontos de interesses residenciais e comerciais, além de alternativas as vias mais movimentadas, servindo tanto aos ciclistas do bairro ou mesmo do entorno que precisa passar ou acessar o bairro. Por isso sugerimos a pintura da Ciclofaixa na Avenida Jurupis como alternativa a Ibirapuera para quem vai sentido Parque das Bicicletas e na Maracatins (formando assim um binário), sendo que na Maracatins ela seria uma faixa exclusiva para ônibus e bicicletas.

A Alameda dos Maracatins tem como velocidade máxima de 40 km/h, e na nossa proposta teríamos duas faixas para rolamento dos carros de passeio e uma mais larga, exclusiva para ônibus e bicicletas, até com espaço para ultrapassagem se necessário. Desconsiderem a terceira faixa do desenho pois na última versão corrigimos esse detalhe deixando apenas  duas faixas. Nessa faixa compartilhada os ônibus trafegariam a 30 e não a 40 km/h. Os motivos dessa redução nem seria por causa dos ciclistas, mas em relação ao grande movimento de pedestres da via. Como a frenagem de um ônibus na mesma velocidade que um carro é mais difícil, os ônibus deveriam andar nessa pista a 10 km/h a menos que os carros como já ocorre nos corredores de ônibus.

Aliás esse compartilhamento entre ônibus e bicicletas já ocorre em Londres, Paris, São Francisco e diversas outras cidades ao redor do planeta. E com base na minha experiência quando realizei um curso de direção defensiva junto aos motoristas de ônibus de São Paulo, tenho certeza que a convivência entre ônibus e ciclistas é muito mais fácil de ser administrada do que o senso comum imagina.

Já a Ciclofaixa implantada na Pavão e na Rouxinol foi exatamente como sugerimos. São duas vias de ligação para o ciclista que planeja se deslocar entre os bairros de Moema e Vila Olímpia, portanto ponto para a CET.

Já as Ciclorrotas, todas são bem funcionais e eficazes para levarem os ciclistas do bairro até a Ciclofaixa de Lazer. Como era um domingo vi muitos ciclistas pedalando na região e utilizando as rotas. A única falha que eu vejo foi o “esquecimento” da Alameda dos Jurupis como ao menos uma Ciclorrota, já que ela não é apenas uma excelente alternativa a Avenida Ibirapuera (sentido centro), como já é uma ótima alternativa dos ciclistas do lado “Índios” de Moema (entre as avenidas Rubem Berta e Ibirapuera), além dos ciclistas que vem da região do Campo Belo com objetivo de acessarem o Parque do Ibirapuera, das Bicicletas, onde começa a Ciclofaixa de Lazer dominical.

Portanto se fizer uma avaliação de 0 a 10 sobre o trajeto posso dar uma nota 8 para a CET.

A forma de implantação

Nas avenidas Rouxinol e Pavão a ciclofaixa foi implantada na esquerda da via e não na direita como é mais convencional. Não há nenhum erro pois o CTB (no art. 58) manda o ciclista andar nos bordos da pista e não na faixa da direita. Mas a forma mais convencional de deslocamento dos ciclistas é mesmo a direita e por padrão, só devemos jogar o ciclista na esquerda ou no canteiro central de uma avenida apenas se realmente não houver outra alternativa.

Não sei o porque optaram em colocar na esquerda, creio que o motivo foi o de te tentar forçar os motoristas a fazerem o desembarque do lado direito. Sabemos que mais da metade dos carros que vemos em circulação se deslocam com uma pessoa dentro, portanto é mais provável ocorrer um desembarque pela esquerda (lado do motorista) do que pela direita. Levando isso em consideração ainda considero que a melhor opção seria manter a Ciclofaixa na direita da via e não a esquerda.

Reparem na imagem acima da Avenida Rouxinol. Notem que temos 3 faixas de rolamento para os carros e uma faixa para as bicicletas. Há carros estacionados na direita porque aos domingos eles são liberados. Notem que a faixa pontilhada ao lado da Ciclofaixa são estacionamentos de Zona Azul, que também funcionam apenas em horários pré definidos.

Aqui é o ponto que eu considero o maior problema e o causador de toda a confusão e reparem como a solução é mais simples do que parece.

Os estacionamentos de Zona Azul junto a Ciclofaixa funcionam de 2ª a 6ª das 9h00 as 17h00 e aos sábados das 9h00 as 14h00. Nos demais horários, (domingo, por exemplo) o estacionamento na Zona Azul é proibido. Agora vejam essa outra foto de uma placa do lado direito da via, do lado oposto a Ciclofaixa.

O estacionamento na faixa da direita é proibido das 7 as 21h de segunda a sexta e das 7 as 14 aos sábados. Outro detalhe dessa foto é o limite de velocidade que é de 40 km/h, algo que falarei mais adiante.

Vejam só, temos 3 faixas de rolamento apenas durante 5 horas diárias, isso nos dias de semana já que sábado todas as faixas estão liberadas apenas por duas horas. Ou seja, durante uma semana com 168 horas, temos 141 horas com duas faixas de rolamento e 27 horas com 3, justamente nos horários de pico. Repararam a confusão que foi criada só para termos 27 horas por semana com três faixas, será que o benefício dessas 27 horas compensam o transtorno que ocorre nos demais horas e dias da semana?

Como resolver o problema? Simples, basta deixar um lado com estacionamento e o outro com a Ciclofaixa. Qual o impacto no trânsito que essa faixa de rolamento a menos irá gerar? Com certeza muito menos do que o confuso sistema que a CET fez para ter essa 27 horas com três faixas criou.

Portanto se avaliarmos a forma de implantação eu daria um 6, até porque tenho quase certeza que a CET vai acabar corrigindo essa falha.

Buracos e defeitos na pista

Agora temos que separar as coisas. A CET não faz pavimentação, ela é uma empresa de sinalização e gerenciamento de tráfego. Quem é responsável por asfalto, buracos ou mesmo fiscalização de prédios com calçadas irregulares é a Sub Prefeitura. A CET pode até recapear a via antes de implantar uma sinalização, mas para isso ela deveria fazer um processo licitatório que sabemos ser lento até por não ser função dela. Portanto nem entrarei no mérito dos buracos pois isso não é culpa da CET ou dos responsáveis pela implantação do sistema de rotas e ciclofaixas de Moema.

Sem falar que para nós que já estamos acostumados a pedalar por São Paulo, não é um asfalto ruim ou canaletas nos cruzamentos que me impedem de pedalar. Nosso problema é falta de espaço e respeito. Buracos é algo que com o tempo se resolve sozinho e vamos convir, há 10 anos atrás nossas ruas eram bem mais imprestáveis do que são hoje. Lembro que nenhum dos meus amigos tinham coragem de pedalar em São Paulo com Estradeiras devido a quantidade de buraco. Hoje que digam os fixeiros que deslizam com muito mais tranquilidade pelas ruas da cidade.

Falta do Bike Box

Bike Box é uma sinalização que não existe no Manual Brasileiro de sistemas cicloviários, aliás nem a normatização para implantação de ciclofaixas está perto do ideal. Aí que entra a importância desse projeto em Moema, pois como ele é um projeto piloto, a partir dele poderemos criar uma normatização que poderá servir de base para a criação de sistemas cicloviários em todas as cidades brasileiras.

Na primeira foto temos um exemplo de um Bike Box em São Francisco e na foto acima podemos imaginar como o Bike Box poderia ser implementado nesse sistema de Moema. Nessa área entre a faixa de pedestre e a faixa de contenção dos carros poderia ser implementado um Bike Box que auxiliaria o ciclista que pretende fazer a conversão a direita, cruzando a frente dos carros parados enquanto o semáforo está fechado. O Bike Box serve também como uma forma de contenção para que o motorista que irá fazer a conversão aguarde o ciclista cruzar a via para depois entrar a direita ou a esquerda.

Velocidade da via

A velocidade máxima regulamentada nessas vias é de 40 km/h. Veja no gráfico abaixo que a escolha da infraestrutura cicloviária tem como parâmetros a velocidade dos carros na via e o volume de ciclistas. Se a velocidade dessa via fosse de 30 km/h não haveria a necessidade de ciclofaixas, bastaria uma sinalização de tráfego compartilhado como ocorreu nas vias onde implantaram as ciclorrotas. Portanto, de acordo com a velocidade dessa via cabe sim a necessidade de uma Ciclofaixa.

Avaliação final

Claro que sempre haverá aqueles que são contra as mudanças, fiquei sabendo que nessa padaria há um abaixo assinado contra a Ciclofaixa. Duvido que o dono dessa padaria, vendo o aumento do número de ciclistas que irão usar suas magrelas para comprarem seus pãezinhos (ao invés de carro) continue sendo contra a Ciclofaixa. É mais provável que ele coloque paraciclos em uma das vagas que ele tem para carros e passe a apoiar a nova infraestrutura.

Apesar de haver um abaixo assinado contra, tenho certeza que teremos muito mais moradores de Moema a favor dessa nova infraestrutura, até porque esse debate não é novo e eu mesmo já recebi várias mensagens de moradores da região apoiando a idéia, principalmente depois desse meu debate com a senhora Lygia, ilustre moradora de Moema, no ano passado quando falei sobre o projeto na CBN.

Talvez seja necessário alguma forma de mobilização para demonstrarmos que estamos sim contentes com essa iniciativa, até para esses que estão lutando contra a Ciclofaixa percebam o tamanho da estupidez de sua atitude. É importante também a CET receber mensagens de apoio a Ciclofaixa pois até pelo teor das matérias que eu vi por aí, muitas das críticas chegam a ser injustas, está mais para pelo em ovo do que críticas fundamentadas. Portanto essas demonstrações de apoio vão servir de argumentos para aqueles que estão lutando pela bike lá dentro que continuem com força.

Ouvi falar que numa das entrevistas para a mídia o pessoal da CET disse que as ciclofaixas foram implantadas em caráter de teste e que se em 15 dias não for aprovada pela população elas podem ser retiradas.

ISSO NÃO PODE JAMAIS ACONTECER!

Temos que aprimorar o que já existe e ampliarmos, recuar jamais, isso todos nós temos que lutar. Temos também que dar um desconto a CET até porque no Brasil, Ciclofaixa é novidade. Há sim alguma coisa em algumas cidades do Brasil mas pelo menos as que eu encontrei por aí não são soluções que não buscam fomentar ou proteger o ciclista, mas sim uma tentativa de fazer com que os ciclistas atrapalhem os motoristas de carros particulares o menos possível.

Já nesse projeto da CET, apesar das falhas existentes em qualquer projeto pioneiro, está claro que o objetivo é trazer segurança ao ciclista e fomentar o uso da bicicleta, portanto não podemos sequer comparar com os demais exemplos que vemos no resto do Brasil. A comparação aqui tem que ser feita com Londres, Paris, Amsterdã, cidades que trabalham no fomento da bicicleta. Temos que fazer como esse agente da CET da foto abaixo que disse a seguinte fase a uma senhora que reclamava da Ciclofaixa.


“A tendência agora é essa, serão criados cada vez mais espaços para os ciclistas na cidade”

Vamos convir, não é justo tirarmos uma faixa de 1,5m numa via de 12 metros só porque alguns motoristas não gostam de pedalar. Em nada eles terão os seus direitos cerceados, pelo contrário, graças essa simples pintura veremos muitos moradores de Moema deixando seus carros em casa, principalmente para realizarem pequenos deslocamentos, seja indo até a padaria, ou no mercado da esquina, tudo isso pelo simples fato de se sentirem seguros pedalando na Ciclofaixa, portanto essa iniciativa tem tudo para ser bom para todo mundo e não apenas para os ciclistas.

Apesar da CET não ter nos consultado antes de implementarem esse Sistema Cicloviário, pela minha experiência creio que eles assimilarão nossas críticas e trabalharão para resolver os problemas. Isso já ocorreu tanto na Ciclofaixa de Lazer, como em algumas ciclovias e na criação das Ciclorrotas do Brooklin. Portanto eu confio na competência técnica deles, principalmente na hora de realizarem os ajustes necessários.

No geral dou nota 8 para a CET a única responsável pela criação das Ciclofaixas de Moema (além claro da Secretaria de Transportes). Mas e o desrespeito dos motoristas e motoqueiros? Esse é um problema fácil de resolver, para isso basta um pouco de fiscalização e cidadania, pois se todos seguirem as regras de trânsito ninguém contribuirá para a “Indústria de Multas”. Eu mesmo que as vezes furo uns semáforos, até para evitar o conflito com alguns motoristas que pretendem fazer conversões, não senti necessidade de fazer isso enquanto pedalava na Ciclofaixa, portanto essa simples infraestrutura pode diminuir de forma considerável, inclusive as infrações que os ciclistas cometem.

No sábado vi várias matérias e flagrantes de desrespeito a Ciclofaixa, já no domingo, tirando o o motoqueiro folgado que não quis se dar ao trabalho de parar sua moto do outro lado da via (onde é permitido) para ver seu mapa, não vi nenhum motorista cometendo infrações de trânsito.

Finalizando, não me venham com esse papo de que essa Ciclofaixa vai causar mais acidentes. “Acharam” que iria ocorrer uma carnificina na Ciclofaixa de lazer e até agora nenhum acidente sério e quando eles ocorrem é porque alguns motoristas imbecis resolvem fazer conversões proibídas.

Mais uma vez darei meu voto de confiança a CET que creio, não irá recuar frente as manifestações contrárias, principalmente daquelas pessoas que se sentem pessoalmente (e não coletivamente) prejudicadas. Questões pessoais jamais devem sobrepor ao bem comum. Já passou da hora daqueles que infelizmente lutam contra a bicicleta aceitar que não dá mais para questionar sua viabilidade. Cabe apenas aceitar que a rua é de todos, deixarem essa guerra estúpida de lado e buscarmos o compartilhamento das vias de forma civilizada, como a maioria dos moradores de Moema já faz em suas viagens para fora do país não é?

André Pasqualini