Não precisa ser muito inteligente para sacar que essa conversa de que a tarifa zero irá aumentar os impostos não tem o menor sentido e a resposta é obvia.

Vamos fazer um paralelo com a saúde pública, já imaginaram se a população tivesse que pagar alguma quantia por cada consulta? Não precisa ser um valor muito alto, vamos supor que fossem 10 reais por consulta nos hospitais construídos pela prefeitura. Provavelmente haveriam hospitais particulares com mais e melhores serviços que cobrariam um pouco a mais e com certeza haveriam pessoas a pagarem por esses hospitais, seja para receber um tratamento diferenciado, seja para não se misturar com o povão, ou seja porque o sistema público é ruim mesmo.

Não é isso que acontece com a saúde pública, ela é toda financiada pelo estado, mas mesmo assim há aqueles que não usam o sistema e preferem pagar serviços particulares. Isso não significa que essas pessoas não tem que arcar com o custo do sistema público de saúde, ninguém discute isso, aliás são muitos os que nunca pisaram num hospital público, mas que pedem um por sistema de saúde decente.

O que a tarifa zero quer é que o sistema de transporte público seja tratado como é a saúde pública, aliás isso é o que eu sempre defendi. Lembro que numa conversa com o Ex-presidente do Metro, quando ele contava das dificuldades de reduzir o preço do transporte ou mesmo de acelerar a melhora do sistema. Eu disse que a dificuldade existia porque o estado pensa num sistema que tem que se manter por si só. Se pensasse como um serviço essencial, ou como um direito social (como é a saúde), seria muito mais fácil trabalhar para melhorar mais rapidamente o sistema e até mesmo implantar a tarifa zero.

Aliás a ex-prefeita de São Paulo, Luiza Erundina, a mesma que já tentou implantar a tarifa zero em São Paulo, sugeriu a PEC-90 que tem como objetivo transformar o transporte público em um direito social. Segundo nossa constituição, os direitos sociais que temos hoje são a educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade, proteção à infância e assistência aos desamparados. Tudo bem que falhamos na maioria deles, mas isso não impede que o Transporte Público vire um direito social.

Mas mesmo se a lei não virar realidade, se o governo implantasse a tarifa zero, isso jamais significaria aumento de impostos e o motivo é simples. Pois hoje, todo o custo do transporte público é pago por nós e com a tarifa zero ele continuaria sendo pago por nós de uma forma indireta e ainda os custos do sistema como um todo seriam menores.

Tentei encontrar números mais preciso e não achei, aliás a SPTrans poderia colocar em seu site as mesmas planilhas que o Haddad mostrou aos manifestantes para termos tempo e o direito de analisa-las, mas vamos lá. Quando participava do Movimento Nossa São Paulo estimamos que o custo do transporte em São Paulo seria de 10 bilhões por ano. Vi em algumas matérias que segundo a prefeitura de São Paulo o custo anual é de 6,5 bilhões por ano, sendo que desse total a Prefeitura (ou seja, nós) entramos com 1,25 bi de subsídios. Agora de onde vem o dinheiro para pagar o restante? Da tarifa que não deixa de ser um imposto indireto!

Com a tarifa zero, haveria sim um aumento de outros impostos, mas em compensação haveria uma economia já que não pagaríamos mais a tarifa, algo que beneficiaria a maioria da população (quem usa o transporte público). Agora quem fala que é impossível implantar a tarifa zero, nada mais é do que aquelas pessoas que temem ter que pagar a conta do transporte público da empregada. Quando a Veja diz que as contas do município podem aumentar com o subsídio, na verdade eles temem ter que pagar a conta, já que uma das formas de direcionar dinheiro para custear o sistema de transporte público seria com o aumento do IPTU, o que eu considero o imposto mais justo que temos na cidade (quanto maior o imóvel, maior o valor).

Mas há outras formas de fechar essa conta, aumentar o imposto da gasolina e do álcool é um caminho. Hoje para um motorista ir do Jabaquara ao Centro, supondo que seu carro seja a álcool, que faça 8km/litro, ele gastaria 2,4 litros de álcool e seu custo de deslocamento seria em torno de R$4,00. Agora se o mesmo cidadão for de transporte público, gastaria no mínimo R$6,40. Alguém acha isso justo? Aliás são vários os países europeus que cobram altos impostos da gasolina como uma forma de financiar o transporte público e desestimular as pessoas a usarem carros.

Uma alternativa nada absurda é o pedágio urbano e existe a expectativa de que ele poderia arrecadar cerca de 1,267 bi por ano, quase a quantia que a prefeitura já paga de subsídio. Outra forma de arrecadar dinheiro é a instalação de estacionamentos públicos no centro da cidade, fazendo com que o dinheiro gerado por quem insiste em ir de carro ao centro também seja investido em transporte público.

Cobrar a mais das pessoas que trocam o transporte público pelo carro poderia servir como uma espécie de “compensação ambiental” já que o uso do carro traz prejuízos para todos e benefícios só para quem usa. Alguns motoristas irão chiar, não vão se achar no direito de pagar para os outros se locomoverem, em contrapartida outra parcela dos motoristas mais conscientes irão achar justo pagar com seu carro para ter um transporte público melhor, o que significará menos carros nas ruas e menos congestionamentos. Muitos eram contra o pedágio urbano quando implantado em Londres, hoje a maioria aprova. Com certeza o mesmo aconteceria no Brasil.

Ah, é bom lembrar que há um custo enorme para manter esse sistema que foi criado em  nossas cidades para os carros particulares rodarem e sabemos que o dinheiro arrecadado com IPVA é insuficiente para manter esse sistema. Ou seja, a prefeitura pode tirar dinheiro de outras áreas para investir em deslocamento individual privado, mas não pode para investir no transporte público?

Pra encerrar, a prefeitura tem que imediatamente abaixar a tarifa e começar imediatamente a trabalhar numa forma de implantação de um sistema sem a cobrança de tarifa. Alguns estudos dizem que cerca de 20% do valor da tarifa acaba servindo apenas para custear o sistema de cobrança, portanto a tarifa zero traria mais um benefício que seria a redução de gastos do sistema. Se os números que passei estão corretos, o dinheiro que a prefeitura gasta para subsidiar o sistema hoje serve apenas para custear o sistema de cobrança.

Espero que a prefeitura disponibilize o quanto antes essas planilhas para a população poder debater sobre elas, chega de caixas-pretas. Se o prefeito não tem o culhão da Erundina que tentou implantar o transporte público de graça, então que abaixe a tarifa, monte um plano para implantação do sistema sem cobranças e chame a população para votar se quer ou não. Essa é a hora, tudo está nas mãos do prefeito para que ele possa nos provar que realmente é o “novo” e não apenas mais um que só sabe andar como a banda toca, como todos que vieram até então.