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Nosso destino a princípio seria o famoso Solo Sagrado da Guarapiranga, um trajeto mais curto que o do primeiro treino, mas com inclusão das subidas que até então estavam sumidas dos treinos. Como haveria o culto mensal no Solo Sagrado justamente no dia que planejamos o treino, resolvemos mudar nosso rumo e fomos para Paranapiacaba, um trajeto que incluiria muitos trechos de terra trazendo mais dificuldades aos ciclistas, o que valorizaria ainda mais o Desafio.

Corremos então para deixar tudo em ordem, no sábado fizemos a sinalização que percorreu as cidades de Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra e Paranapiacaba por esse trajeto, tudo no esquema, sinalizado e planilhado, lá fomos nós nos encontrar em Mauá, onde organizamos um café da manhã comunitário aos participantes e lá eles conheceram o maior Bicicletário das Américas.

foto02Foto de Anderson Nadaleto

Antes de sair tive a triste notícia de que todas as placas que colocamos no trecho urbano de Ribeirão Pires haviam sido retiradas. O alerta venho de um dos agentes de trânsito que receberam tal ordem. Ao ver um dos nossos ciclistas com a camiseta do Desafio no trem indo para Mauá ele nos alertou, disse que a ordem partiu do próprio Secretário de Transportes que mandou retirar as placas pois era um evento sem autorização deles.

Claro que eu não tinha expedido nenhum ofício para nenhuma das cidades por onde passaríamos e sabia dos riscos de algum gestor de algumas das cidades mandassem retirar as placas, mas imaginem só a complexidade que é mandar ofícios para todos tantos órgãos só para colocar uma placa que será retirada no dia seguinte? Só nesse evento seriam 4 cidades e mais o DER já que passaríamos pela Rodovia que vai para Paranapiacaba. Pior que só tive a autorização da CPTM as 10h00 da sexta feira, até então sequer poderia divulgar o trajeto. Sem falar no risco que eu sempre correrei de negarem a autorização, daí teria que colocar as placas numa cidade e não em outra, já que em nenhuma hipótese deixaria de promover o pedal já que segundo o art.58 do CTB, nós temos o direito de andar por qualquer via urbana do Brasil sem nenhuma autorização.

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Semana que vem o DBM vai passar novamente por 5 cidades e um trecho de rodovia que, em desrespeito a Lei Estadual 10.095 do Walter Feldman, não incluiu uma Ciclovia junto a rodovia na chegada de Itu, devido a isso terei que mandar os ciclistas acessarem a cidade pelo acostamento do sentido contrário pois é a forma mais segura de ser feita do que usar as alças de acesso e dividir espaço com os carros. Tudo isso só porque a bicicleta mais uma vez foi ignorada pelos gestores públicos. Aliás nem dá para dizer que trafegar pelo acostamento na contramão é uma infração, pois segundo o artigo do CTB citado acima, nenhum veículo motorizado pode trafegar no acostamento, apenas pedestres e ciclistas podem trafegar por ali e em nenhum momento há qualquer informação de que isso tenha que ser no mesmo sentido do fluxo dos carros. Mas até convencer um gestor público com má vontade prefiro não oficiar essas instituições para não correr o risco de algum administrador que não goste de bicicleta tente nos impedir de realizar o pedal.

No dia seguinte ao treino, depois de tentar entrar em contato com a Secretaria de Transportes de Ribeirão Pires, e constatar que o telefone informado no site não funcionava, acabei ligando para outros órgãos e descobri o fax da Secretaria, por sorte acabei falando direto com o Secretário, um tal de Souza (ele não quis me dar seu nome completo, por isso o “tal”).

Tá, eu errei sim ao não tentar contato com a prefeitura e informá-lo que nosso grupo passaria por sua cidade, mas se coloquem em meu lugar. A cidade de Ribeirão Pires, como a maioria das cidades brasileiras ignora o Art. 24 do Código de Trânsito Brasileiro que diz exatamente isso:

Art. 24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição:

        II – planejar, projetar, regulamentar e operar o trânsito de veículos, de pedestres e de animais, e promover o desenvolvimento da circulação e da segurança de ciclistas;

A cidade não dispõe de um plano cicloviário, lá como na maioria das cidades brasileiras o ciclista é tratado como um cidadão de segunda categoria, é invisível ao poder público e nada na cidade é feito com o intuito de estimular o uso da bicicleta, pelo contrário, todos os viadutos, pontes e as principais avenidas da cidade foram projetadas apenas privilegiando quem tem carro. Cidadão mais humilde que anda de bicicleta e até mesmo os usuários de transporte público, tanto lá como na maioria das nossas cidades são ignorados pelo poder público E ISSO É FATO!

Constatada essa dificuldade, mapeei e sinalizei uma rota sabendo dos riscos delas serem vandalizadas ou arrancadas pelo poder público e diferente das cidades de Mauá, Rio Grande da Serra e Paranapiacaba (nesse caso distrito de Santo André), onde não ocorreu nenhum problema, em Ribeirão Pires retiraram nossas placas. O Secretário em conversa por telefone foi taxativo ao cumprimento das “normas” internas da sua prefeitura e ainda me chamou de irresponsável por não avisar a prefeitura do nosso evento e que cometi um absurdo de “enfiar” 200 ciclistas “em sua cidade” sem que ela estivesse preparada para tal.

Sua declaração só corrobora com minha afirmação de que em sua cidade a bicicleta é tratada como um problema e não uma solução. Se sua cidade fosse preparada para o ciclista, em nenhum momento seria necessário qualquer “operação especial” para nos receber. Garanto que no dia que sua cidade estiver preparada para seus ciclistas cidadãos, 200 ciclistas a mais não trará a necessidade de qualquer operação especial, como ocorre com a cidade de Santos por exemplo, que em dias de Rota Márcia Prado chegam a receber mais de 5 mil ciclistas.

Aliás essa “Bikefobia” só vem de pessoas que desconhecem e desconsideram a bicicleta como um meio de transporte legítimo, como reza o Código de Trânsito Brasileiro. Por isso destaco minha lamentação e pena do ciclista cidadão de Ribeirão Pires, pois com um Secretário de Transporte como esse, que desconhece as leis brasileiras e que prefere punir um ciclista a ajudá-lo, dificilmente a sua realidade irá mudar. Aliás duvido que esse “tal” secretário conheça os problemas que os Ciclistas de Ribeirão Pires enfrentam em seu dia a dia e tenha qualquer plano para minimizar (nem falo em resolver) seus problemas. Aliás duvido que ele use sequer o transporte público, quanto mais andar de bicicleta. Com certeza é mais um daqueles secretários que só usam o carro e que consequentemente acabam trabalhando apenas em pról de uma categoria, as que menos precisam.

Voltando ao caso das placas, em Ribeirão Pires vale a norma e não o bom senso, para ele sou só um invasor que desrespeita a cidade e acha que lá é uma zona, portanto ele fez o correto, usou a máquina pública (consequentemente o dinheiro público) para arrancar a sinalização irregular. Ocorre que acabou fazendo vista grossa para outras sinalizações que estavam no mesmo trajeto. Porque as outras foram mantidas? Esse questionamento eu deixo para o cidadão de Ribeirão Pires. Abaixo a foto de uma das sinalizações que foram ignoradas pela equipe do Secretário, nesse mesmo poste havia uma sinalização nossa, depois divulgo outras fotos de outras sinalizações que foram ignoradas pelo tal secretário.

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Odeio esse papo de “você de fora”, um bairrismo ridículo que só serve para jogar para uma platéia mais estúpida e bairrista ainda. Mal ele sabe que eu fiz a mesma coisa em São Paulo, que coloquei e tirei a sinalização no nosso primeiro treino sem pedir autorização da Prefeitura daqui e nem por isso considero a cidade onde eu vivo uma zona. Embora eu pretenda, no quarto Desafio definir todos os trajetos com o máximo de antecedência e conseguir autorização de todas as prefeituras e instituições envolvidas, mas para esse DBM irei continuar contando mesmo com a sorte.

O único problema é que, se depender de mim, eu evitarei ao máximo fazer com que o DBM passe novamente por Ribeirão Pires para a tristeza de muitos comerciantes, como uma senhora que disse estar feliz por ter vendido mais de 50 coxinhas aos verdinhos. Me desculpem os cidadãos dessa cidade mas não posso correr riscos e ficar a mercê de alguém que para seguir uma norma, prefere colocar em risco vidas humanas. Aliás quando eu disse que uma pessoa se acidentou, justamente no trecho onde a sinalização foi retirada, fui obrigado a ouvir que a culpa foi minha porque fui um irresponsável por não seguir suas “normas”.

foto04Foto de Rafael Eudes

Então seu secretário, eu tenho por opção lidar com pessoas que valorizam a vida humana antes de qualquer coisa, antes você tivesse me multado por não ter seguido suas normas, juro que faria um esforço e daria um jeito de pagar a multa pois você estaria com toda a razão do mundo. Mas a partir do momento que você colocou em risco vidas humanas só para fazer valer seu poder ditatorial, ou por um puro capricho pessoal, me desculpe mas não consigo considerá-lo uma pessoa digna de qualquer parceria, apoio ou sequer algum diálogo.

Aliás que façam um bom proveito das placas, pois agora sou eu quem não quer correr o risco de encontrar alguém como você em meu caminho e espero que esse episódio sirva para que mude suas atitudes e que faça o senhor pensar duas vezes antes de enfiar os pés pelas mãos. Vá assistir o homem aranha e grave aquela frase “Grandes poderes, grandes responsabilidades”. Não é só porque você está numa situação de poder, significa que você é melhor do que os demais, muito pelo contrário, como um legítimo homem público, você deveria zelar sempre pelas pessoas e JAMAIS colocar alguém em risco com suas atitudes.

Mas nem tudo foram espinhos em nosso treino, nossos verdinhos se deslumbraram com o maravilhoso Bicicletário de Mauá e com sua história, se esbaldaram no nosso café da manhã e seguiram rumo a Paranapiacaba, obrigado Mauá pelo apoio dado.

Depois que cruzamos a Índio Tibiriçá encaramos o trecho em terra, trecho esse que por sorte nossa, o Secretário de Ribeirão Pires “deixou passar” e não retirou as placas. Graças a esse “vacilo” do nobre Secretário, nenhum verdinho se perdeu no trecho em terra e ainda sentiu na pele as dificuldades e a adrenalina de um MTB clássico como vocês podem conferir abaixo no vídeo produzido pelo nosso Guia Pablo Dutra com a impagável narrativa do Sílvio Santos narrando um trecho de downhill.

Chegamos ao trecho urbano de Rio Grande da Serra, lá nosso ponto de encontro foi um caldo de cana ao lado do trevo da cidade. No dia anterior perguntei ao senhor se ele estaria ali e o alertei de que por lá passariam centenas de ciclistas, mais um dos que não se incomodaram nem um pouco com nossa passagem.

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Estava lá no fundão e acabei chegando a Paranapiacaba quase as 16h00, com apenas uma hora de descanso antes do nosso retorno até Rio Grande da Serra e foi bonito chegar na cidade e ver aquele mar de verdinhos espalhados pela pequena e linda vila de Paranapiacaba. Quando o relógio marcou 16h00 voltamos ao asfalto e seguimos de volta a Rio Grande da Serra de onde a galera voltou de trem para São Paulo.

foto06Foto Anderson Nadaleto

Esse treino foi um dos mais tensos que vivi em todos os DBMs que já participei, mas apesar de tanto perrengue, é bom saber que os acidentados estão bem, que tudo não passou de um grande susto, feliz pois nosso sistema de segurança funcionou de forma bastante satisfatória e mais feliz ainda depois de tantos elogios que recebi dos participantes, vocês tem um poder motivacional incrível, sugiro que vejam esse curto mais incrível vídeo feito pelo Rafael Eudes, um ciclista que já sacou exatamente qual é o espírito do DBM, já dá para ter uma noção do que está por vir até o final do Desafio.

A partir dessa semana passarei a incluir cada vez mais dificuldades nos treinos, nossos verdinhos estão prontos para receber esse “upgrade”. Que venham as montanhas e não quero ver ninguém empurrando suas bicicletas nas ladeiras que estão por vir.

André Pasqualini