A prefeitura vai mudar o sistema cicloviário da cidade de São Paulo, algumas ciclovias serão retiradas, outras se transformarão em Ciclofaixas, algumas em Ciclorrotas, mas não sabemos detalhes desse plano, até porque até agora, cometendo o mesmo erro da gestão anterior, a atual não está sendo nada transparente em relação aos planos de infraestrutura cicloviária da cidade e nem se teremos algo onde não há infraestrutura alguma, como boa parte da periferia.

Esse texto não é para fazer críticas a atual gestão, pois não sou irresponsável de sair falando groselhas sem ter pleno conhecimento do que realmente será feito. Mas se tem algo que me tranquiliza (só um pouco) é o fato de que essas mudanças estão sendo capitaneada por alguém que entende do assunto (nosso atual Secretário de Transporte), mesmo assim, depois de tantas decepções, me recuso a atirar e tão pouco soltar fogos, sem saber detalhes do processo e principalmente antes do resultado final.

Fiquei sabendo desse plano da prefeitura através de uma matéria da Folha e o que realmente me motivou a escrever foi a “opinião dos ciclistas” dada na matéria, feita por dirigentes de uma uma Associação chamada Ciclocidade, que se auto-proclama “representantes” dos ciclistas de São Paulo. Por isso gostaria de vir a público para dizer que as opiniões dadas por ciclistas na matéria não me representam, aliás nem essa Associação me representa, seja pelos seus participantes e principalmente pelas ideias que defende, quase uma antítese do que eu penso.

Quero falar sobre as críticas feitas pelo “representante” de que “a diminuição de ciclovias seria um retrocesso”, mas com base em que? Quer dizer que todas as ciclovias feitas na gestão Haddad são excelentes?

Apesar da maioria das ciclovias serem positivas, algumas realmente não faziam o menor sentido. Eu mesmo em diversas oportunidades, tentei alertar os técnicos da Prefeitura sobre os equívocos, mas o que fez a Ciclocidade em relação a isso?

Antes de termos associações para nos “representar”, eram incontáveis os debates entre aqueles que defendiam uma melhor mobilidade por bicicleta (posteriormente batizados como “cicloativistas“), tentando descobrir o que era melhor para o ciclista urbano, é a Ciclofaixa? A Ciclovia? A Ciclorrota? Depois de tantas discussões, o que acabou virando senso comum é que para cada situação havia uma melhor solução.

Daí veio a gestão Haddad que adotou uma única solução, a da Ciclovia. Em algumas situações, como na Paulista, na Eliseu de Almeida e em diversos outros lugares, essa alternativa caiu como uma luva, já em outras, principalmente quando apenas usaram o leito carroçável (asfalto) para pintar uma faixa vermelha, usando perigosos tachões para segregá-la, nem sempre o resultado foi bom, tanto é que não é difícil encontrar lugares onde os ciclistas preferem pedalar junto aos carros do que nas faixas a eles destinadas.

Mas isso se deveu muito pela opção técnica da CET naquele momento, a de colocar as ciclovias bidirecionais no canto das pistas. Inclusive foi criado um documento com as diretrizes técnicas que engessavam os planejadores, eu tive acesso a esse documento e de cara previ os diversos problemas que teríamos e tentei alertar a prefeitura. Praticamente não havia a possibilidade de ciclorrotas ou ciclofaixas, nem quero falar dos pirulitos instalados perigosamente no meio da faixa, pirulitos esses que em várias situações eram arrancados, sobrando apenas um enorme parafuso a mostra no meio da ciclovia.

Já que essa associação que nos representa tinha um bom trânsito na prefeitura, com alguns membros inclusive trabalhando para ela, porque ela não os ajudou a elaborar esse documento com base em tudo que discutimos por longos anos? E pior, será que ajudaram a fazer um documento tão falho?

Se ajudaram ou não pouco importa, até porque, analisando as pessoas que à época estavam à frente da Associação, duvido que tivessem capacidade técnica para isso, até porque essas pessoas que estavam (e ainda estão) lá, não participavam dos debates que fazíamos quando não existiam associações.

Quando eles dizem que as ciclovias são a “única garantia” de segurança dos ciclistas tá claro que eles não participaram dessas discussões, ou só foram aos fóruns que organizávamos para participar das (excelentes) baladas que aconteciam depois dos congressos, vai saber…

Será que esse nosso representante já pedalou na Ciclovia da Tiquatira, ou mesmo nunca pedalou com um ciclista pouco experiente na Ciclovia da Consolação? Um erro clássico que a maioria dos “cicloativistas” cometem é defender a melhor estrutura cicloviária para eles. Pra mim uma faixa vermelha no chão na Jacu-Pêssego é suficiente, as vezes as atuais ciclovias até me atrapalham, mas um gestor não tem que fazer “estrutura cicloviária” para cicloativistas, ele tem que pensar naqueles que não pedalam.

Um gestor não pode focar em “km de ciclovias” como meta, sua meta tem que ser a de aumentar o número de ciclistas nas ruas, focando nos que ainda não pedalam. Tem que criar estrutura para crianças de 8 a 14 anos irem para a escola pedalando, tem que fazer para uma senhora de 60 anos poder chegar em segurança ao mercado, tem que fazer o necessário para estimular os que não pedalam a pedalar. Sabe quantas vezes ciclistas inexperientes me disseram que não tinham coragem de pedalar nessas ciclovias com tachões? Centenas de vezes, mas isso aconteceu porque a gestão passada olhou muito mais para a meta de 400 km e para o que os “cicloativistas” pediam, do que para o que o povo precisava.

Vou citar aqui a Ciclovia da Consolação, que vamos combinar, é bizarra. Pra subir até vai, embora caso você encontre um ciclista mais lento na subida, terá que ter paciência por um bom tempo atrás dele, ou se arriscar saindo da ciclovia e pedalando entre os carros. Agora a descida…

Certa vez eu desci com meu filho por ela pra nunca mais. Depois disso preferia descer pela Bela Cintra e Augusta, junto com os carros, pois era muito mais seguro. E não é inseguro apenas para os inexperientes, certa vez, descendo a mais de 50 km/h, quase fui atropelado por um motorista que fez a conversão na minha frente. O motorista estava errado? Claro que sim, mas esperavam o que?

Vivemos num país onde os motoristas nunca respeitaram o direito da preferência dos mais fracos na conversão, onde nossos agentes de trânsito raramente os punem, daí colocam uma Ciclovia de menos de um metro de largura (pois não vou contar a sarjeta), com perigosos tachões de um lado e uma perigosa guia do outro, numa descida onde um ciclista mediano consegue atingir facilmente 40 km/h e ainda sim vem me dizer que é uma ciclovia segura? Porque junto com essa ciclovia não veio uma ação de educação junto aos motoristas para evitar as colisões nas conversões? É tão complicado assim colocarem faixas na via mostrando o art. 38 do CTB, que deixa explicito a preferência dos ciclistas nas conversões? Porque para um cicloativista apocalíptico, aqueles que já pedalavam na Consolação mesmo sem Ciclovia, aquilo era o suficiente não era?

Desde que o Haddad se candidatou pela primeira vez, eu vi um movimento de aproximação entre os ciclistas dessa associação, que tinham uma postura ideológica parecida com a do partido do ex-prefeito, isso ainda na campanha. Não acho isso errado, desde que a Associação como um todo vote e concorde com tal apoio a essa ou aquela gestão ou partido, também não acho errado um dirigente de uma associação ter suas preferências partidárias na sua vida pessoal, mas quando essa pessoa está à frente de uma associação, ela tem que deixar em segundo plano suas preferências e agir pluralmente, de forma a representar o maior número de pessoas que ele pretende representar, mesmo aquelas pessoas com posições ideológicas diferente das suas, mas isso ocorreu?

Quando a gestão Haddad fez suas merdas, em nenhum momento essa Associação veio a público fazer duras críticas e muito menos fez críticas rasas e infundadas como agora. Se o dirigente dessa associação odeia o Dória é até aceitável que ele diga suas groselhas em suas redes, mesmo sabendo que o contágio seria natural, mas quando ele fala usando o nome da Associação, indiretamente (e irresponsavelmente) ele fala em nome de todos, até em meu nome que estava aqui, quietinho no meu canto.

Aquele tiozinho que odiava a Ciclovia em frente ao seu boteco vai querer argumentar comigo? Duvido, pois esse tiozinho votou no Dória porque ele se colocava contra as Ciclovias e pra ele, todo ciclista é anti-Dória (graças a imagem que esses “cicloativistas” criaram), por consequência nem consigo iniciar um diálogo. E essa impossibilidade do debate só se deve, graças a arrogância desses “cicloativistas” que falam um monte de besteiras em nosso nome, mas não gastaram um segundo da sua vida com o tiozão do boteco, no dia que pintaram a Ciclovia na frente do seu comércio. Aliás alguns deles devem até terem dado risada do tiozão não é?

Agora, quem vai sair prejudicado com esse rótulo que todos os ciclistas estão recebendo, graças as asneiras que esses “nossos representantes dizem”? Com certeza não será o ciclista da Vila Madalena, que já está bem assistido de ciclovias e rodeado de pessoas que pensam como eles, mas sim o ciclista da Vila Nhocuné.

Mas o que eles poderiam ter feito nesse caso em questão? A princípio, deveriam ter criado um canal público de comunicação com a nova gestão logo no início do trabalho, para juntos levarem os argumentos que debatemos há anos aos atuais gestores. Se tivessem feito isso, no momento da entrevista, poderiam fazer as críticas pontuais com base nas sugestões que não foram atendidas e com isso elevar o debate. Mas pelo que vejo, preferiram ficar só de longe entrincheirados para, numa ocasião como essa, saírem disparando suas metralhadoras. Palavras essas que para os ciclistas daquela igrejinha, que os colocaram nesse carguinho, soam bonito, revolucionário, alguns dirão “no pasarán” e serão aplaudidos no botequinho da Vila Madá na sexta a noite. Mas para o tiozão da barra forte, que não pode usar uma bicicleta “pública” laranjinha porque não tem cartão de crédito, esse carguinho, além de não ter importância nenhuma, só trás problemas para sua vida, pois além da real dificuldade em pedalar, ainda tem que conviver com a agressividade irracional dos antipetistas que consideram todos os ciclistas iguais a aqueles que dispararam suas metralhadoras no jornal.

Pra encerrar o textão, deixo meu recado, favor não me associar a essas associações e as besteiras ditas por seus dirigentes, como diria certo messias: “Eles não sabem o que fazem…”, eles não falam em nome da massa dos ciclistas, falam apenas em nome de um tipo de ciclista que está pouco preocupado com o que acontece longe do seus umbigos. Para mim essas associações não tem serventia nenhuma e acredito que nem eles saibam para servem direito.

Por isso espero muito que o Sérgio Avelleda, use o bom senso que ele sempre demonstrou ter e realize as melhorias que nós ciclistas precisamos. Sim, temos que depender mais uma vez de um “salvador da pátria”, já que não existe mais alguém que possa dar voz ao inconsciente coletivo e o que restou foi essa polarização estúpida que vivemos hoje.

Logo eu que depois de ter participado de um movimento tão lindo como a Bicicletada foi nos anos 2000, acreditou que aquelas associações que surgiram dentro desse contexto pudessem nos representar de forma plural, falando em nome daquele inconsciente coletivo que vivenciamos na pele, mas que com o passar do tempo acabou virando mais um feudo como qualquer partido político, sindicato ou associações de classe, que só são usadas como escada para seus dirigentes darem seus voos, ou para alguns humanos insignificantes poderem distribuir cartões com cargos de renome, só pra inflar egos medíocres. É assim que matamos o Cicloativismo, ou seja, acabamos virando a mesma merda que tanto criticamos um dia.

André Pasqualini